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    Antonio Delfim Netto

    Fatiamento do impeachment contraria a Constituição Federal

    07/09/2016 02h00

    Reprodução
    Michel Temer (PMDB) recebe notificação após impeachment
    Michel Temer (PMDB) recebe notificação após impeachment de Dilma Rousseff (PT)

    Tudo correu como era esperado, salvo o inesperado! Michel Temer foi confirmado e empossado no cargo de presidente da República com mandato até 31 de dezembro de 2018, em substituição à presidente Dilma Rousseff. O inesperado foi o "fatiamento" da votação final do impeachment em dois escrutínios.

    O primeiro fatiamento aconteceu para a aceitação do afastamento definitivo de Dilma. O segundo revogou a Constituição Federal (artigo 52, parágrafo único) para instituir que, em geral, o afastamento não implica, automaticamente, na perda de direitos políticos. Confirmou-se uma velha verdade: a pior forma de convencimento que se pode usar no Congresso é a lógica... aristotélica.

    A ex-presidente Dilma Rousseff é pessoa física absolutamente íntegra. Para o processo, entretanto, esse é um fato irrelevante. Ela não foi condenada por qualquer improbidade. Na modesta opinião de quem estava presente e aprovou tanto a Constituição de 1988 quanto a Lei de Responsabilidade Fiscal, houve, acima de qualquer dúvida razoável, violação de dispositivos daqueles dois instrumentos legais.

    Todo o processo foi conduzido cuidadosamente e dentro das leis vigentes, sob a supervisão do Supremo Tribunal Federal. À senhora Dilma Rousseff foi assegurada a mais ampla defesa e todos os meios para fazê-la. No final, o Senado Federal, sob o comando do presidente da mais alta corte do país, o Supremo Tribunal Federal, votou duas vezes. Na primeira, reconheceu que houve crime de responsabilidade por atos orçamentários previstos na Constituição e violação de dispositivo da Lei de Responsabilidade Fiscal, pelo voto de três de cada quatro senadores.

    Na segunda, Dilma perdeu, mas não houve o mínimo de dois terços dos senadores votando, o que lhe devolveu os direitos políticos. As razões desse resultado provavelmente não se devem à magnanimidade e grandeza de alguns senadores, mas à insondável ética consequencialista dos políticos que conhecem o futuro...

    O tempo, agora, é de Michel Temer reforçar o seu "parlamentarismo de ocasião" e aproveitar os 28 meses de seu mandato para construir as condições que garantam a volta, num horizonte razoável, do equilíbrio fiscal, sem o qual não sairemos das enormes dificuldades que nos assolam. Isso permitirá ao Banco Central começar a reduzir a taxa de juro real, o que diminuirá o custo da dívida pública (liberará recursos para o governo) e estimulará a volta do crédito e dos investimentos para o setor privado.

    Essa é apenas a condição necessária para que o Brasil volte ao caminho do desenvolvimento econômico inclusivo e sustentável.

    antonio delfim netto

    Ex-ministro da Fazenda (governos Costa e Silva e Médici), é economista e ex-deputado federal. Professor catedrático na Universidade
    de São Paulo.
    Escreve às quartas-feiras.

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