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    Antonio Delfim Netto

    Produção e distribuição não são independentes

    12/10/2016 02h00

    Os economistas "clássicos" e Marx, que deles se alimentou, tinham plena consciência de que a produção de um bem era um ato técnico: escolher um processo de produção que usa a energia, os conhecimentos acumulados (e os insumos por eles eventualmente gerados), a terra e o capital físico (trabalho passado cristalizado) disponíveis para obter a melhor relação produção/hora de trabalho (vivo) aplicado.

    Ele é condicionado pelas instituições que controlam a inserção do produzido na organização da sociedade na qual se realizou. Se todos os agentes perseguirem o mesmo objetivo (a melhor relação produção/hora de trabalho), a sociedade alcançará a maior taxa de desenvolvimento econômico porque, por definição, esse é, apenas, o outro nome do crescimento da produtividade do trabalho (vivo). O ato de produzir é, portanto, mesmo quando individual, um fato social.

    Isso é ainda mais evidente quando se reconhece (também como faziam os "clássicos" e Marx) que a distribuição do produzido é, por sua vez, um ato de poder político, controlado pela organização do Estado e pelas instituições que lhe dão materialidade. Em particular, ele pode, pela tributação, "distribuir" (sem violar o direito de propriedade), boa parte do que foi produzido para quem não tenha participado da sua produção.

    Durante muito tempo os economistas sonharam que existiria uma "lei natural" da distribuição do produzido, que uma vez descoberta, produziria a sociedade "justa". Até hoje alguns fanáticos acreditam que a remuneração extravagante de certos CEOs se deve à sua elevada "produtividade marginal"...

    Felizmente, o "Grande Arquiteto" não deu essa canja para os economistas! Mas é exatamente isso que tornou o conhecimento da Economia um importante instrumento da sociedade "aberta", regulada constitucionalmente e que usa o sufrágio universal para a substituição certa, em períodos bem determinados, dos seus governantes.

    O fato de a produção ser um problema técnico e a distribuição ser um problema de poder dá à atividade política mais graus de liberdade, mas lhe impõe muito maior responsabilidade na construção de uma sociedade onde os homens poderão realizar melhor a sua humanidade.

    Produção e distribuição são determinadas por forças diferentes (a técnica e a política, respectivamente), mas não são independentes. O poder incumbente, para atender o longo prazo (desenvolvimento inclusivo e sustentável), tem de compatibilizá-las. Se não o fizer, nem aumentará o produzido, nem melhorará a sua distribuição.

    antonio delfim netto

    Ex-ministro da Fazenda (governos Costa e Silva e Médici), é economista e ex-deputado federal. Professor catedrático na Universidade
    de São Paulo.
    Escreve às quartas-feiras.

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