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    Antonio Delfim Netto

    Sacralizamos o STF para garantir que ninguém esteja acima de seu controle

    11/10/2017 02h00

    Pedro Ladeira/Folhapress
    Sessão plenária do STF, sob a Presidência da ministra Cármen Lúcia
    Sessão plenária do STF, sob a presidência da ministra Cármen Lúcia

    O avanço da "judicialização da política", acompanhado da "politização da Justiça", é produto da recente inversão da "obrigação" do Estado em "direito" do cidadão. Até a Constituição de 1988, por exemplo, "segurança", "saúde" e "educação" eram "obrigações" do Estado. A partir dela, foram formalmente transformados em "direitos" do cidadão. Estimulou-se, portanto, a ativação da "Justiça" para que isso se concretizasse. Isso transformou o Orçamento aprovado pelo Congresso numa peça de ficção!

    Trata-se de uma tendência mundial, com grave e profunda interferência no bom funcionamento do sistema republicano, como se vê na edição especial da "International Political Science Review" (1994), com o artigo "The Judicialization of Politics", que registra o fenômeno nos EUA, Alemanha, Reino Unido, França, Holanda, Suécia, Canadá, Israel e Filipinas, e no magnífico livro do juiz Antoine Garapon "Le Gardien des Promesses", que é uma reflexão dedicada à "judicialização da política" e à "politização da Justiça".

    A literatura sugere os perigos que podem advir da supremacia do Poder não eleito, o Judiciário, sobre os Poderes eleitos, o Executivo e o Legislativo. É preciso lembrar que no Judiciário progride-se da mesma forma que se é promovido nas Forças Armadas: às vezes pelo mérito, mas sempre com apoio político.

    A fundamental importância do Judiciário no controle e na harmonização da ação dos três Poderes pode ser prejudicada pelo "excesso de protagonismo" quando a "mídia" deixa de lado a sua obrigação de exercer a crítica e assume o papel de "juiz de instrução": divulga seletivamente delações, constrange testemunhas, constrói "provas" e condena. Esquece o caso (sem pedir desculpas!) quando o "culpado" é eventualmente absolvido por falta de provas...

    "O excesso de direito", ensina Garapon, "pode desnaturar a democracia; o excesso de defesa pode bloquear qualquer tomada de decisão; o excesso de garantias pode mergulhar a Justiça numa espécie de indecisão ilimitada. De tanto encarar as coisas através do prisma deturpador do direito, corre-se o risco de criminalizar a relação social e de reativar a velha mecânica sacrificial. A Justiça não se pode substituir ao político sem correr o risco de abrir caminho para a tirania das minorias... Resumindo, um mau uso do direito é tão ameaçador para a democracia quanto a escassez de direito".

    Sacralizamos o Supremo Tribunal Federal na Constituição de 1988 para garantir que nenhum agente público (eleito ou escolhido pelo mérito e promovido politicamente) esteja acima do seu controle. É por isso que ele "tem que ter em conta as consequências de suas decisões no plano coletivo".

    antonio delfim netto

    Ex-ministro da Fazenda (governos Costa e Silva e Médici), é economista e ex-deputado federal. Professor catedrático na Universidade
    de São Paulo.
    Escreve às quartas-feiras.

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