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    Antonio Prata

    Feira de Frankfute

    DE SÃO PAULO

    18/08/2013 17h41

    Sei que em nome da vaidade ou, ainda, de sua irmã mais jeitosa, a humildade, eu não deveria dizer esse tipo de coisa, mas lá vai: muitas vezes me imagino participando da Flip. Não é o auditório lotado que vejo em meus devaneios narcisistas, tampouco a fila de autógrafos ou o flash dos fotógrafos: a imagem que me vem à mente, sempre, é a do futebol.

    Talvez o leitor não saiba, mas em toda Festa Literária de Paraty há uma pelada disputada pelos escritores --ou, ao menos, por aqueles cuja saúde permita bater uma bola sem bater as botas. Em minha quimera lítero-esportiva, saio driblando críticos, ultrapassando romancistas, desarmando contistas e, de calcanhar, de bicicleta ou trivela, estufo a rede. Finda a partida, recebo os cumprimentos de Roberto Schwarz, José Miguel Wisnik pede para trocar comigo a camisa, dou entrevista à revista "Serrote", dedicando a vitória à minha esposa, a Deus e --quem sabe?-- à professora Lucilene, do primário, pois sem ela...

    Não é o meu talento ludopédico, claro, que me insufla tais delírios, mas bem o contrário: é do oco em que deveria residir minha habilidade que sopra a brisa da ilusão. Nas aulas de educação física, na escola, eu era aquele infeliz escolhido por último. Ainda trago na memória as cicatrizes causadas pelo olhar aflito do garoto a escalar o time, tendo de optar entre mim e a menina de cabresto nos dentes --por quem, ao fim, ele se decidia.

    O sofrimento com o analfabetismo de minhas pernas durou até 2004, quando fui à primeira Flip e, assistindo à douta cancha, descobri que o desempenho futebolístico dos escritores era inversamente proporcional às suas virtudes literárias. Percebi, ali, que havia esperança: entre os grandes das letras, pelo menos, eu poderia ser um craque da bola. Desde então, a cada ano, sempre que se aproxima a escalação para uma nova festa literária, cozinho algumas insônias na chama da expectativa, mas, para minha frustração, nunca encontro meu nome na lista.

    Pois, semana passada, Charles Miller debateu-se em seu túmulo e eu recebi uma das notícias mais felizes na história de minhas fatigadas canelas. Fui selecionado pelo Instituto Goethe para integrar o time de escritores brasileiros que irá à Feira de Frankfurt, em outubro, enfrentar os alemães da Seleção Nacional de Autores, a "Autorennationalmannschaft" --ou Autonama, para os íntimos.

    Nesta ensolarada (espero) manhã de domingo, enquanto você toma descansadamente seu café, eu e mais 15 escritores brasileiros suamos a camisa, no primeiro treino coletivo do escrete da escrita. Sabemos o tamanho da responsabilidade: somos, simultaneamente, a pátria de chuteiras e de teclados, temos menos de dois meses e, tomando a mim mesmo como medida, imagino que o caminho será tortuoso. Há, contudo, dois dados animadores: do outro lado do campo também haverá escritores e nosso técnico é ninguém menos do que Pepe, o "canhão da Vila".

    A ver se, nestas oito semanas, sob a batuta de um dos maiores pontas-esquerdas da história, deixo de ser canhestro e sigo apenas canhoto, mostrando que, com fé em Deus e obedecendo a orientação do professor, é possível, apesar de ser "gauche" na vida, fazer bonito pela sinistra nos gramados do velho mundo.

    Que vença o pior!

    antonio prata

    É escritor. Publicou livros de contos e crônicas, entre eles 'Meio Intelectual, Meio de Esquerda' (editora 34).
    Escreve aos domingos.

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