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    Antonio Prata - Marcelo Quaz

    Retrospectiva

    08/06/2014 02h00

    Em 2010 eu estava em lua de mel. Assistíamos aos três jogos do dia entre beijos e abraços, depois ficávamos estirados à beira do Atlântico, sendo felizes para sempre. Fomos expulsos do Éden por dois gols do Sneijnder -e a vida jamais alcançaria o mesmo patamar.

    A Copa de 2006 foi meio nebulosa. Eu trabalhava numa novela que não dava ibope, namorava a Joana, que não me amava muito e o Roberto Carlos resolveu arrumar a meia justo quando a França ia cruzar pra área. Foi uma derrota triste, fria e o namoro terminou poucas semanas depois. (Acho que a Joana estava arrumando a meia, em boa parte da relação).

    Ah, 2002! Eu morava em Barcelona, não tinha um puto, mas fiz uma vaquinha com outros brasileiros e instalamos uma TV a cabo no meu apartamento. Éramos tantos expatriados que o Caio precisou trazer a televisão dele do outro lado da cidade, de metrô, num carrinho de feira. As duas TVs ficavam no meio da sala, uma pra cada lado, de modo que a multidão pudesse se acomodar. O dia da vitória terminou comigo e o meu irmão epicamente bêbados, jogando bola com umas crianças marroquinas numa praça do Raval. Ronaldo foi o artilheiro da Copa. Abdul, o artilheiro da praça.

    1998: podemos pular essa parte?

    1994: estava em Itaúnas, ES, tentando convencer algum ser do sexo oposto a perder-se comigo pelas dunas e levar consigo minha virgindade. Vi o Brasil ser campeão pela primeira vez na vida -mas confesso que preferia ter visto outra coisa.

    1990: Collor na presidência, Lazaroni na seleção -fizemos más escolhas naquela época. O que salvava era Juma Marruá boiando nas águas cristalinas do Pantanal. Assisti à Copa no sítio da minha avó. Eu, o Dé e o Mario construímos uma cabana de bambu e toda noite acendíamos uma fogueira.
    Oitenta e seis foi a minha primeira Copa, pra valer: tenho até hoje uma tabelinha da Suvinil. O pênalti que o Zico perdeu ainda me dói, às vezes, quando vai chover. A frustração com o Halley, também. Foi um ano de falsas esperanças, 86.

    De 1982 eu só guardo flashes: adultos tristes num sofá bege, na casa do meu tio Luis. Hoje, acho aquela derrota mais trágica que a de 1950. Vencer em 50 seria a confirmação do nosso delírio de grandeza. Vencer em 82 seria a afirmação de uma utopia possível: a supremacia da beleza e da ousadia sobre o tédio e a contenção. A vitória de Juma sobre a retranca.
    Diz a lenda familiar que, em 78, eu cruzei a sala engatinhando e desliguei a TV na hora que o Reinaldo ia marcar o nosso gol na Suécia. Desconfio que seja mentira.

    De 1974, não posso falar: metade dos meus genes aguardava num ovário da minha mãe a outra metade que ainda nem tinha sido produzida, em esferas nada chutáveis do meu pai. Que coisa estranha: em 74 eu estava morto.

    antonio prata

    É escritor. Publicou livros de contos e crônicas, entre eles 'Meio Intelectual, Meio de Esquerda' (editora 34).
    Escreve aos domingos.

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