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    Antonio Prata

    São Paulo, 25 de janeiro de 2016

    DE SÃO PAULO

    25/01/2015 02h00

    E pensar que em 2013 todo mundo foi à rua por causa das passagens de ônibus. Ah, o aumento! Ah, o trânsito! Ah, balas de borracha! Ah, gás lacrimogêneo! Hoje, em 25 de janeiro de 2016, aniversário de 462 anos de São Paulo, isso tudo soa tão ingênuo como uma pornochanchada diante do pornhub.com.

    As pessoas estão se virando como podem: armazenam água da chuva, bombeiam a água que brota no fosso do elevador, fazem gato na rede e em galerias pluviais. Caminhões-pipa andam com escolta armada, e toda madrugada alguém é preso com uma britadeira perfurando algum ponto da cidade.

    Vocês leram aquela entrevista que saiu com o antropólogo americano no final de 2015? Ele dizia que o homem pode atravessar longos períodos de escassez de energia elétrica ou mesmo de alimentos mais tranquilamente do que enfrenta alguns dias com as torneiras secas. A falta de água pega em algum nervo exposto do inconsciente coletivo, reativa alguma paúra herdada dos nômades no deserto, sei lá. Isso explica os quebra-quebras, os incêndios, os arrastões.

    É triste ver a Pompeia, Pinheiros, Perdizes e tantos outros bairros tomados pelo Exército, mas fazer o quê? Quarteirões e quarteirões abandonados pelos moradores, os ladrões parando o caminhão na frente dos prédios e levando TV, geladeira, fogão, computador, terno, sofá.

    É irônico que a água tenha acabado justo na cidade mais rica do país mais rico em água de todo o mundo. É como faltar areia no Saara. Não, em Dubai.

    É irônico que a água tenha acabado numa cidade cortada por dois rios (sem contar todos os outros rios que canalizamos para fazer –o quê? Adivinha?– avenidas). O paulistano é como um eunuco num harém. Não, a comparação não presta: no harém as mulheres são saudáveis, o eunuco é que não. O paulistano é como um priápico num leprosário.

    É muita gentileza da oposição dar todo o mérito da seca aos tucanos. Eles têm um papel importante, sim, mas a falta de água é um projeto coletivo, multipartidário, interestadual, ancestral. É a burrice acumulada de várias gerações: o desmatamento, a impermeabilização do solo, o desperdício, o estímulo ao transporte individual, de Washington Luís a Dilma Rousseff, passando por JK, Paulo Maluf, FHC, Lula e os militares. E ainda tem gente que vê descontinuidade em nossas políticas públicas?!

    Para o bem do povo e felicidade geral da nação, o governo assegura que a seca não afetará a economia. O país seguirá exportando carne e soja e derrubando florestas e matas ciliares e comprando carros e levando o progresso e a impermeabilização a áreas de proteção ambiental.

    São Paulo, em seus 462 anos, completados neste 25 de janeiro de 2016, parabéns! Teus meses de seca são um prenúncio do futuro e um exemplo para a nação! Continuemos sendo a locomotiva do Brasil: seguindo em frente, sem olhar pros lados, soltando fumaça e arrastando todo mundo atrás.

    antonio prata

    É escritor. Publicou livros de contos e crônicas, entre eles 'Meio Intelectual, Meio de Esquerda' (editora 34).
    Escreve aos domingos.

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