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    Antonio Prata

    Mistérios jocosos

    31/01/2016 02h00

    Há, sem dúvida, mistérios mais importantes sobre os quais se debruçar, desde os celestiais (gozosos, dolorosos, gloriosos, luminosos), passando pelos patafísicos (Triângulo das Bermudas, ETs de Roswell, Eduardo Cunha), até os terrenos (como fazer o que a gente gosta e ganhar dinheiro? Como fazer o que a gente gosta, ganhar dinheiro e cuidar dos filhos pequenos? Como fazer o que a gente gosta, ganhar dinheiro, cuidar dos filhos pequenos e ir ao cinema?).

    Aqui, porém, tratarei de questões menores que têm me intrigado durante estes 38 anos de perambulações e que, se não elucidarão xongas sobre Deus, o homem contemporâneo ou a política brasileira, podem ao menos dar ao leitor algum assunto para puxar com o cunhado quando rolar aquele silencinho incômodo no churrasco de domingo.

    Falamos de churrasco, vamos ao primeiro mistério, pois trata-se exatamente de um mistério culinário: por que não se come pizza no almoço? Por que, enquanto o sushi, o hambúrguer, o estrogonofe, o chop-suey e o leitão à pururuca transitam tão bem entre o dia e a noite, as pizzas seguem sendo um fenômeno estritamente noturno? Há casas de strip funcionando de dia. Traficantes, serial killers e até o presidente da Câmara dão expediente na hora do almoço. Mas as pizzas –oh, mistério!– só saem do forno depois que escurece. Terá algum feitiço de Áquila gastronômico amaldiçoado a bola de fogo e a bola de massa a jamais se encontrarem?

    O segundo mistério de que falarei aqui não só me intriga: me enerva. Por que os cabos das furadeiras são tão ridiculamente curtos? Laptops têm cabos longos. Televisões têm cabos longos. Chapinhas de alisamento têm cabos longos. Mas as furadeiras, sei lá por que cargas-d'água (ou d'elétrons) têm uns cabinhos que parecem o rabo cortado de um buldogue. Uns anos atrás, escrevendo uma matéria sobre SACs (Serviços de Atendimento ao Consumidor), mandei um email pra Black & Decker. Esperava uma resposta cabal (com trocadilho, por favor), mas me enviaram apenas algo como "Caro senhor Antonio, o comprimento dos cabos das furadeiras é adequado ao seu uso". O SAC da B&D só não foi mais frustrante do que o SAC do Vaticano, cuja resposta à pergunta "Como vocês têm tanta certeza de que Deus existe?" foi um sacrossanto silêncio.

    Terceiro mistério: hotéis dão sabonetinhos, dão xampus, dão touca de banho, dão hidratante e, às vezes, até pantufas. Mas nunca, jamais, uma mísera pastinha de dentes. Aí você, que sempre se esquece desse detalhe, liga na recepção perguntando se eles ao menos vendem pasta de dentes. Não. Nunca dão, nunca vendem. Rede hoteleira, fica a dica: vocês vão ganhar mais dinheiro vendendo uns tubinhos de Sorriso do que ganham com as águas de R$ 7, as Skols de R$ 15 e as castanhas de R$ 999,99 do frigobar.

    Como eu disse, há, sem dúvida, mistérios mais importantes sobre os quais se debruçar, mas nosso assombro com o funcionamento do cosmos não tira a graça de um cubo mágico –e se é verdade que nossas maiores esperanças são um mundo sem fome, sem guerras, sem Eduardo Cunha, não chega a ser fútil sonhar com alegrias mais comezinhas, tipo pizza no almoço ou churrascos tranquilos com o cunhado. (Espero que trazendo tais temas à baila eu tenha ajudado, ao menos, a arranjar assunto com o cunhado.)

    antonio prata

    É escritor. Publicou livros de contos e crônicas, entre eles 'Meio Intelectual, Meio de Esquerda' (editora 34).
    Escreve aos domingos.

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