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    Antonio Prata

    Coisas que eu faria

    10/07/2016 02h00

    Se eu fosse um bilionário entediado, já tivesse bebido os vinhos mais caros, comido as trufas mais raras, me hospedado em castelos e dado rolês em ônibus espaciais: compraria um sítio com uma paisagem a perder de vista, compraria uma bazuca, encheria essa paisagem a perder de vista com Fuscas, Brasílias, Del Reys e –por que não?– Land Rovers a perder de vista, encheria um cálice de bourbon e passaria uma tarde inteira explodindo carros. (De noite, após um banho de cachoeira, leria Proust).

    Se eu fosse um bilionário engajado, já tivesse investido na Amazônia e nas baleias, no Zimbábue e no ozônio, na alfabetização, na fibra de coco e na energia solar: criaria uma bolsa sabática. Nada de financiar pesquisas, estudos, livros, filmes, como fazem essas incríveis instituições tipo a Fulbright, a Ford, a antiga Vitae. A minha instituição financiaria um ano de vagabundagem, seria a Fulbright Farniente. Um candidato se proporia a assistir aos principais campeonatos mundiais de futebol, in loco. Aprovado. Outro diria gostar muito da luz da manhã e pediria para viajar o mundo por um ano, aproveitando o amanhecer em Lisboa, no deserto do Atacama, no topo do Himalaia. Aprovado. Outra diria: "Eu e o Jurandir, a gente gosta muito de massa, mas nunca foi pra Itália, então a gente tava pensando em passar 2017 por lá, comendo uns macarrãozinho (sic)". Tá aqui o dinheiro, amiga.

    Se eu fosse o presidente dos Estados Unidos no discurso do Estado da União, televisionado ao vivo para o mundo: começaria cantando "Mariana conta um/ Um conta Mariana/ É um, é Ana/ Viva Mariana!". Terminada a música, faria a cara mais contrita, pediria desculpas, diria "brincadeira, fellow americans! Agora, falando sério" –e cantaria "Um elefante incomoda muita gente/ Dois elefantes incomodam muito mais" até chegar a 58 elefantes ou até o Serviço Secreto cortar a transmissão e me levar dopado pra Guantánamo– o que vier primeiro.

    Se eu fosse um Deus altruísta: encarnava de novo e passava uns tempos resolvendo essa inhaca sobre a qual não se pode dizer que Ele (ou Eu) é (ou sou) inteiramente inocente.

    Se eu fosse um Deus egoísta: desencanaria dessa inhaca de uma vez por todas, encarnaria com uma pinta de Leonardo DiCaprio e passaria a eternidade me esbaldando por aí. (Aos domingos, iria para o meu sítio tomar bourbons e explodir Del Reys).

    Se eu fosse um Deus piadista: encarnaria como presidente dos Estados Unidos num discurso do Estado da União, cantaria "Mariana conta um" e "Um elefante incomoda muita gente" até o Serviço Secreto tentar dar sumiço em mim, então sairia levitando sobre as cabeças dos congressistas atônitos e, sob os olhos esbugalhados de boa parte da população mundial, diria, com uma voz tonitruante: "Eu sou Javé, El Shadai! Eu sou aquele que é e tudo pode! Posso inclusive cantar 'Mariana conta um' e 'Um elefante incomoda muita gente' no discurso do Estado da União dos EUA, ó fariseus!". E todos se curvariam. E eu bradaria "Toca Rauuul!". E voltaria pras alturas.

    Se eu fosse um gato: faria exatamente o que os gatos fazem. (Talvez, apenas, me lambendo com menos frequência).

    antonio prata

    É escritor. Publicou livros de contos e crônicas, entre eles 'Meio Intelectual, Meio de Esquerda' (editora 34).
    Escreve aos domingos.

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