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    Antonio Prata

    Ansiedade olímpica das oito da matina a uma da madrugada

    10/08/2016 02h00

    Dez mil atletas, 42 modalidades, 19 dias, das oito da matina a uma da madrugada, uma credencial de imprensa que permite assistir a tudo: seria a glória para qualquer pessoa mais apegada ao esporte do que às próprias neuroses –infelizmente, não é o meu caso. Em vez de me esbaldar com todas as disputas a que posso acompanhar durante essas semanas, fico aflito com todas as disputas que estou perdendo a cada minuto. (Sou o tipo de sujeito que, diante do copo meio cheio, meio vazio, pensa: ai, se derrubam esse copo!).

    Acordo, abro o aplicativo Rio-2016 e me sinto como um esfomeado diante do bufê no casamento da prima rica: devo comer o cordeiro assado, o risoto de frutos do mar, a lasanha verde com queijo de cabra, as 17 opções de salada ou nada pra dar mais espaço pro bolo e pros 123 bem-casados surrupiados no bolso do paletó? Diante do variadíssimo à la carte da Rio-2016 eu me pergunto, afobado: futebol ou esgrima? Estrelas internacionais ou promessas brasileiras? Judô, que tem chance de medalha, mas eu não entendo patavina, ou natação, que não é o mais forte do Brasil, mas é sempre emocionante? Assisto ao que mais costumo assistir ou ao que conheço menos, pois pode ser a única chance na vida de desfrutar, por exemplo, de um bom Suriname x Malásia no badminton?

    Chamada - Rio 2016

    No sábado, primeiro dia pós-abertura, resolvi apostar na simplicidade, escolher natação, bater cartão no Estádio Aquático e ficar ali vendo tudo o que acontecesse. Vários brasileiros nadariam, eu poderia acompanhar a torcida, sentir o clima dos Jogos, perfeito. Comecei a assistir às primeiras provas, estava quase confiante de ter feito a melhor opção quando caí no erro de consultar o celular. A uns 200 metros dali, no Ginásio Carioca 2, Felipe Kitadai e Sarah Menezes estavam ganhando tudo. Logo, logo, poderíamos ter ouro. Saí correndo e cheguei ao Carioca 2 justo a tempo de ver o Felipe e a Sarah serem eliminados. Voltei correndo e cheguei ao Estádio Aquático justo a tempo de ser informado que os brasileiros e as brasileiras já tinham nadado –e bem. Só tive paz durante os 50 minutos em que fiquei na fila do lado de fora, sob o sol escaldante, pra comprar uma mirradíssima minipizza (R$ 15,00). Afinal, eu precisava me alimentar, de modo que era impossível, naquele instante, estar em qualquer outro lugar.

    Segunda-feira voltei a São Paulo um tanto aliviado. Nos próximos quatro dias, cobriria a Olimpíada de um privilegiadíssimo posto de observação: o meu sofá. A televisão, imaginei, organizaria o cardápio para mim. Doce ilusão. Minhas pernas já não cansam, mas meu indicador corre pelo controle remoto mais ágil do que os pés da Marta pedalando diante da área. O que escolher entre tantos canais? O Nadal às 13h45 ou o basquete masculino às 14h15? A Serena Williams às 15h15 ou o basquete feminino às 15h30? A faixa das 16h, então, quase me fez arrancar os cabelos: Talita e Larissa no vôlei de praia, o handebol feminino ou o Thomaz Bellucci?

    Dez mil atletas, 42 modalidades, 19 dias, das oito da matina a uma da madrugada: é uma pena que, ao contrário das festas de casamento, não dá pra servir tudo no mesmo prato –nem pra levar nos bolsos, como se fossem bem-casados, umas esgrimas pro dia seguinte.

    antonio prata

    É escritor. Publicou livros de contos e crônicas, entre eles 'Meio Intelectual, Meio de Esquerda' (editora 34).
    Escreve aos domingos.

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