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    Antonio Prata

    Aha, urru! O polvilho é nosso!

    17/08/2016 02h00

    Hoje, dia 5 de agosto de 2028, enquanto o mundo assiste à abertura da Olimpíada de Barcelona, o Brasil comemora os 12 anos da Rio-2016. Mais do que isso, como se sabe, comemoramos a data em que o país começou a recuperar sua autoestima, a cicatrizar suas feridas e entrar no clima que possibilitaria a chamada "Década Gloriosa". Ninguém imaginava, à época, que a saída da buraqueira seria como foi. Se me lembro bem, ninguém sequer acreditava que houvesse saída. A maioria da população achava que os Jogos trariam apenas uma alegria passageira e uma dívida duradoura –um olho chorando pela medalha conquistada, outro pela bala perdida. Mas Olimpíada é isso aí: duas semanas de surpresas, de assombro, de maravilhamento. E eis que lá pela metade da Rio-2016, quando o "New York Times" publicou uma matéria criticando o Biscoito Globo, esse patrimônio imaterial da brasilidade, o milagre se deu.

    Os jornais estrangeiros já haviam feito reportagens sobre a poluição das nossas águas, a violência das nossas cidades, a bagunça das nossas obras. Aceitamos. Eles tinham razão. Pegavam até leve. Ninguém sabia, melhor do que nós, das mazelas do nosso país. Estávamos desiludidos com a política e desacreditados do futebol, assustados com a criminalidade e apavorados com a polícia, espremidos entre um ilegítimo golpista e uma legítima inepta: haveria alguma coisa pela qual ainda valesse a pena lutar, no Brasil? Pois sim, descobrimos, desafiados, no meio daqueles Jogos: o polvilho.

    Divulgação
    biscoito de polvilho mais vendido nas praias do Rio, o "Globo". (Foto: Divulgação) ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM*** *** FOTO EM ARTE E NÃO INDEXADA ***
    Pacote de biscoitos Globo

    Horas depois da publicação do "New York Times", as redes sociais já estavam polvilhadas de odes ao biscoito. Facebook e Twitter, antes trampolins do azedume, esgrimas do ressentimento, barras paralelas do ódio, foram inundados por posts apaixonados. O Instagram era só rosquinha. Amigos que não se falavam desde as eleições de 2014 passaram a dar likes nas fotos uns dos outros, comendo polvilho. Evangélicos, vendo gays e transgêneros abraçados aos clássicos pacotes, sentiram, pela primeira vez, a fresca flâmula da empatia –e vice-versa. Até paulistas e cariocas, veja só, deram as mãos.

    Tomamos as ruas, vermelhos e azuis, brancos e negros, homens e mulheres, crentes e descrentes, cantando "Aha, urru! O polvilho é nosso!". O entusiasmo não era tanto pelo biscoito, pelo sabor, era por encontrarmos, enfim, um ponto em comum entre tantas diferenças. Foi uma epifania: se podíamos concordar sobre o polvilho, por que não conseguiríamos chegar a outros consensos? Pois chegamos: batemos panelas nas janelas, assopramos cornetões pelas madrugadas, convocamos novas eleições para presidente, para a Câmara e para o Senado, aprovamos a reforma política, a previdenciária, a tributária, despoluímos a baía de Guanabara, o Tietê e a CBF. O Brasil –quem diria?– deu certo.

    Hoje, ao iniciar-se a Olimpíada de 2028, pergunta-se quantas medalhas traremos pra casa. Isso é o de menos. Importante é que agora cada criança brasileira tem acesso, na escola, a todo tipo de esporte, assim como a todo tipo de livro, de música, de filme e de biscoito de polvilho –sem corante, sem conservante e sem gordura trans. Obrigado, "The New York Times"! Parabéns, Biscoito Globo! Vai, Brasil!

    Chamada - Rio 2016

    antonio prata

    É escritor. Publicou livros de contos e crônicas, entre eles 'Meio Intelectual, Meio de Esquerda' (editora 34).
    Escreve aos domingos.

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