Em homenagem à 30ª Bienal de SP, volto as atenções ao artista plástico Alex Cerveny, ilustrador desta coluna, que faz dupla comigo há anos. Nosso casamento sobrevive aos que tivemos na vida particular e, embora o leitor tenha com ele toda intimidade (Alex colabora inclusive opinando de forma contundente e humorada no texto), talvez nunca tenha ouvido seu discurso verbal, erro lamentável que corrigimos a partir de agora.

	Ilustração Alex Cerveny

Pergunta - Para que serve artista? No passado ele já retratou o bispo. Hoje é um invasor da grama alheia, pisoteando teatro, literatura, química, física e antropologia?
Alex - O artista é o curinga do baralho. Ele serve para provocar, chamar a atenção para as coisas mal resolvidas do mundo, para proporcionar experiências sensoriais que ampliam nossos horizontes, para reviver coisas importantes que estão esquecidas. Artistas gostam de experimentar linguagens e de se confrontar com o novo e o desconhecido. Como um curinga, ele tem o poder de conectar mundos distintos.

Uma miniatura de carrinho Matchbox empurrando um pedaço de bolo de padaria. Essa obra está exposta na Bienal. Isso é tão arte quanto um Rembrandt?
São obras de arte, mas que vieram ao mundo em contextos totalmente diversos. Só que Rembrandt já faz parte da história da arte e o carrinho chegou agora.

Por que saímos decepcionados toda vez que entramos em uma sala da Bienal em que um vídeo está sendo exibido?
Porque arte cansa, é preciso ter paciência, procurar se informar antes de entrar. Pode ser surpreendente. Mas se não estiver gostando, não sofra. Ninguém é obrigado a ficar até o final.

Onde estão os artistas representando países como o Gabão? Nesta Bienal eles foram substituídos por galerias de arte de Nova York? O mercado tomou conta?
Antigamente havia representações nacionais. Era divertido por um lado, parecia uma feira de nações, mas devia ser difícil administrar porque cada país decidia o que mandar, algo arriscado para uma exposição tão importante. Hoje não importa o país se o artista for interessante para a curadoria, como é o caso do Frédéric Bruly Bouabré, uma maravilha da Costa do Marfim! Mas não seja encrenqueira, Barbara! Nós artistas e nossos "marchands" estamos ralando para salvar o planeta e construir um mundo melhor. Por isso mesmo existem agora novas bienais em Istambul, Quito, Sharjah e inclusive uma em Dacar, onde devem estar os tais artistas.

A Bienal da década retrasada sempre será considerada melhor do que esta? Por quê?
Possivelmente porque já nos habituamos com as coisas que elas nos trouxeram. O novo nem sempre é fácil de assimilar.

Você será obrigado a deixar a sua pena de nanquim para comprar uma câmera digital?
A câmera digital virou um equipamento indispensável na vida do artista. Uso minha pequena Lumix para fotografar tudo o que desenho com minha pena. E ela se arrepia toda vez que a Lumix solta um flash.

Que precauções o público pode tomar contra o mundo vil de tecnologia para "burraldos", em que todos podem se declarar artistas?
A arte é um campo fértil para oportunistas e narcisistas de toda espécie. Muitas vezes basta uma câmera ou um pincel na mão, nenhuma ideia na cabeça e um tropeço com a sorte para surgir um novo artista. Por isso é muito valioso observar o processo de trabalho e a história do artista em vez de ficar apenas admirando o produto final.

Você pode ser um tanto ferino em suas ilustrações, colocando-me nua, em situações constrangedoras, com cobras saindo do meu ânus, figuras mitológicas decepando-me os seios e vazando meus olhos. Ou meu corpo queimando em uma pira, envolto em baratas e gafanhotos. Isso é praga bíblica que você roga? Não que eu não mereça, claro.
Caramba, você não entende mesmo lhufas de arte!