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    Barbara Gancia

    Partiu, equipe Jolly!

    17/01/2014 03h00

    Não quis nem saber. Na larga­da, mandei o pé lá para baixo e saí desviando dos "mar­cha lentas". Não tinha tempo a per­der, eu era uma mulher com uma missão. Quando cheguei na beirada do precipício do "S" do Senna já ti­nha papado uns dois ou três. A mim pouco importava se a maioria dos meus "adversários" estava ali só pa­ra tomar ar no rosto e rever os ami­gos ou se os carros deveriam ser poupados, posto que eram relí­quias e nos haviam sido gentilmen­te cedidos pelos donos.

    Quando soube que teria de defen­der a honra da família ao volante, no solo amigo da pista de Interla­gos, achei melhor estabelecer um objetivo claro que pudesse tirar qualquer outra distração do cami­nho. Não queria que minha hipófi­se, já tão bombardeada em 56 car­navais, acabasse sendo fragilizada de antemão por emoções indevi­das, entre elas, o fato concreto de que aquele evento traria fartas lembranças a todos os envolvidos.

    O convite ao qual eu respondera (com grande entusiasmo, diga-se), fora o de reviver a equipe Jolly-Gancia junto com os filhos dos ou­tros membros do "team" em uma "corrida" de 5 voltas que deveria ocorrer antes do início dos 500 Quilômetros de Interlagos.

    Nos anos 60, a Jolly competia com as berlinetas da equipe Dacon, as carreteiras do Camillo Christófaro, o Fitti-Porsche dos irmãos Wilson e Emerson, brasincas e DKWs no campeonato nacional.

    Tudo começara quando meu pai, Piero, levou uma Alfa Romeo de passeio para consertar em uma ofi­cina no Brás e o mecânico que o re­cebeu, uma figura cuja perna direi­ta foi extraída de um filme de Felli­ni e a esquerda de um filme de Ma­rio Monicelli, imediatamente or­denou que ele colocasse o carro pa­ra correr.

    Como Piero sempre fora admira­dor de Ascari e Nuvolari e conhecia um pouco de velocidade, e o mecâ­nico, Giuseppe Perego, tinha traba­lhado com Fangio na Maserati, a coisa engrenou.

    Juntaram-se a eles Manolo, as­sistente de Giuseppe, Celso Lara Barberis, o melhor piloto da época, que viria a falecer logo em seguida, e Emilio Zambello, que de 1962 em diante acompanhou Piero dentro e fora das pistas em uma trajetória admirável como co-piloto, sócio, amigo e irmão.

    A Jolly passou por altos e baixos. Em 1967, em Salvador, Piero e Emilio venceram a primeira em dupla. Em 1969, de 24 corridas, a equipe ganhou 23. Houve uma cor­rida na Bahia em que fizeram as seis primeiras colocações.

    Giuseppe, sua bituca no canto da boca e seu chapelão de palha, todo sujo de graxa, Manolo, sempre com olhar grave, mais os bons rapazes Piero e Emilio montaram uma equipe pela qual passaram José Carlos Pace, Marivaldo Fernandes, Wilson Fittipaldi Jr., Tite Catapa­ni, Ubaldo César Lolli, Graciela Fernandes, Ciro Cayres, Afonso Giaffone, os irmãos "Abillion" e Ci­dão Diniz, Lulla Gancia e Felice Al­bertini, que vinha a ser nosso motorista particular e também, não sei como conseguia tempo, sargento do juizado de menores.

    Foi na subida do laranjinha que eu finalmente consegui mandar pela janela um vistoso dedo ao meu ir­mão, enquanto ultrapassava a alfi­nha GTA que o Marcelo, filho do Manolo, arrumou para ele pilotar naquele dia. O evento era uma ho­menagem ao Emilio, não uma pro­va de vida ou morte, ninguém esta­va pisando fundo, mas eu não pude conter minha dick-vigarice.

    Nem tampouco contive as lágri­mas, minutos depois, já nos box, na hora em que o sujeito ao microfone descrevia as glórias de Zambello e ele discretamente se aproximou do camarada e sussurrou ao seu ouvi­do: "Agora fala do Piero".

    Não imaginava que aquela linda manhã de outubro em que a gente se divertiu tanto seria a última vez que o viria. Emilio Zambello nos deixou na última quarta-feira, aos 87 anos.

    barbara gancia

    Escreveu até maio de 2014

    Mito vivo do jornalismo tapuia e torcedora do Santos FC, detesta se envolver em polêmica. E já chegou na idade de ter de recusar alimentos contendo gordura animal.

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