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    Barbara Gancia

    Prefere que eu desenhe?

    28/03/2014 03h00

    Não é incomum que as boba­gens cometidas só consigam ser identificadas como erros a posteriori. A priori ninguém vê nada. Mas, depois que acontece, co­mo teria sido fácil evitar!

    Atrevo-me a comentar a severa mensagem do leitor João de Deus S. Silva, publicada no Painel do Lei­tor da Folha de ontem. O escândalo da Petrobras trouxe à tona a velha história de que a morte prematura de Paulo Francis teria sido causada pelo processo imputado contra o jornalista pelo ex-presidente da Pe­trobras Joel Rennó, por causa de uma afirmação não substanciada feita pelo polêmico cronista no programa "Manhattan Connec­tion".

    Diz o leitor que não foi o processo indenizatório no valor de US$ 100 milhões o causador da ruína de Francis. O que o matou teria sido sua "leviandade".

    Contesto, meritíssimo. Quem meteu os pés pelas mãos foi a edi­ção do programa. E o próprio Lucas Mendes, criador, âncora e respon­sável pelo corte final, íntimo amigo do jornalista, concorda. No docu­mentário "Caro Francis", ele admi­te que deveria ter cortado a parte em que Francis acusava a direção da Petrobras de ser uma "quadri­lha".

    Não o fez porque reassegurou-se no ar perguntando: "Sua fonte é se­gura?" e ouviu um sim. Mas isso não importa. O que vem ao caso é que o "Manhattan Connection" é grava­do. E gente polêmica como Francis pode se soltar à vontade, porque sa­be que tudo o que disser "a mais" será eliminado na cabine de edição.

    Pense: seria uma burrice o apre­sentador de "talk show" ficar tendo retenção anal diante das câmeras se é possível cortar o excesso de­pois, não?

    Assim sendo, toda a sequência so­bre a Petrobras foi apenas mais um dia no estúdio. Ele deve ter pensa­do: "Se acharem que foi over, elimi­nam e pronto". Afinal, o camarada já tinha cantado música de "E o Vento Levou...", imitado Fred As­taire... Sabe como é, a gente vai se deixando levar.

    Mas o leitor que o massacrou no Painel de ontem provavelmente não vê assim. Deve pensar que cada um arca com suas próprias conse­quências. O que ele fez foi grave, de­veria ter mais juízo. Eu entendo.

    O mais irônico é que o sr. João de Deus S. Silva usou o exemplo da bri­ga com Caio Túlio Costa, ex-ombuds­man da Folha, e a saída de Francis do jornal para ilustrar sua decadên­cia profissional.

    Não precisei consultar o Caio, a quem tenho como mentor e amigo querido há 30 anos, para saber do desconforto que lhe traz ver seu nome usado até hoje para desacre­ditar Paulo Francis. Ao contrário do que o senhor pensa, sr. João, o Caio Túlio amava profundamente o Paulo Francis. Aliás, ama e res­peita até hoje. E o Francis, a quem o senhor tanto desdenha, tinha sen­timentos recíprocos. Durma-se com um barulho destes.

    Quanto a sua mensagem, que o se­nhor deve considerar tão nobre, eu já acho que ela faz o jogo do inimigo. Pense em Shigeake Ueki, Joel Rennó, Sérgio Gabrielli, Eike Batista. Tan­ta gente boa que andou pela Petro­bras, tantos contratos impolutos...

    As melhores histórias que sei, que o Caio Túlio sabe, que o Francis sa­bia, que o Ruy Castro sabe (foi o Ruy quem me apresentou ao Caio e também ao Francis, veja que mun­do redondo), nós nunca podere­mos contar. Porque elas esbarram nos limites da lei, provando que, sim, existe liberdade de expressão respaldada por direitos como res­peito à privacidade. Muitas vezes, com compreensão de menos do papel da imprensa nu­ma democracia. Como parece ser o seu caso.

    barbara gancia

    Escreveu até maio de 2014

    Mito vivo do jornalismo tapuia e torcedora do Santos FC, detesta se envolver em polêmica. E já chegou na idade de ter de recusar alimentos contendo gordura animal.

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