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    Benjamin Steinbruch

    Vergonha

    DE SÃO PAULO

    08/04/2014 03h00

    Procurei nos jornais manifestações de descontentamento pelo novo aumento da taxa básica de juros –a nona em um ano, que elevou a Selic para 11%. Não encontrei quase nada. Só vi declarações sintonizadas com a decisão e poucas menções aos efeitos negativos dela, com honrosas exceções de algumas entidades empresariais, como a Fiesp.

    Pode ser que a imprensa não tenha procurado os descontentes, mas também pode ser que eles já estejam conformados com a situação ou receosos de assumir posições contrárias à onda dominante que considera natural a tendência de aperto monetário neste momento.

    É triste que seja assim, que se observe pouca preocupação com o efeito que a alta de juros tem sobre a atividade econômica. Nos EUA, Janet Yellen, presidente do banco central, fez um discurso na semana passada em que mostrou enorme compromisso com a busca do crescimento da economia e, principalmente, do emprego e da renda.

    Ainda que as taxas de desemprego tenham caído significativamente nos EUA, a fala de Yellen deixou implícito que não haverá aumento de juros neste ano e provavelmente nem em 2015. Ela lembrou que ainda existem 7 milhões de americanos trabalhando em tempo parcial que deveriam trabalhar em tempo integral e disse que os salários estão crescendo muito vagarosamente.

    Em outros tempos, aqui no Brasil, jamais empresários do setor produtivo assimilariam tão facilmente o discurso favorável à elevação dos juros ou se calariam conformados em momentos como este.

    Não há razão para mais essa elevação de 0,25 ponto percentual da semana passada. A inflação teve um aumento no primeiro trimestre, ninguém pode negar, mas em consequência da alta dos alimentos por razões puramente climáticas: a falta de chuvas, em níveis históricos, que também ameaça o abastecimento de água em São Paulo e cria grandes problemas para a geração de energia elétrica na região Sudeste.

    O impacto da elevação dos juros no combate a essa inflação climática e sazonal, tirando um possível efeito residual psicológico sobre as expectativas, será próximo de zero. Tão logo o clima melhore, os preços se acomodarão, qualquer que seja a Selic. Mas a taxa maior significará gastos adicionais bilionários com juros da dívida pública atrelada à Selic, um ônus fiscal bastante pesado e em geral ignorado.

    Tudo isso ajuda a agravar a percepção negativa sobre o Brasil, levada ao auge no dia em que a Standard & Poor's anunciou, há duas semanas, o rebaixamento da nota de crédito do país. Sintomaticamente, depois do anúncio, houve um efeito contrário ao imaginado: as ações das empresas listadas na Bolsa brasileira, em especial as de estatais, tiveram forte alta e o real se valorizou.

    De tudo o que a Standard & Poor's afirmou ao rebaixar a nota de crédito do Brasil, o único ponto razoável refere-se ao baixo crescimento. O ritmo lento de expansão da economia é um fato que, por sinal, decorre, entre outras causas, do elevado custo do crédito no país. Os resultados fiscais, lembrados pela agência como uma das principais razões para o rebaixamento, não são brilhantes, mas também não são catastróficos. E o deficit externo efetivamente cresceu, mas não para níveis que possam ser considerados perigosos.

    Há uma série de indicações de que a economia deu uma ligeira reaquecida no primeiro trimestre, especialmente em janeiro e fevereiro. A produção industrial aumentou 3,8% no primeiro mês do ano e 0,4% no segundo. O emprego continuou em alta –segundo os dados do Ministério do Trabalho, houve 261 mil contratações com carteira assinada em fevereiro. E a renda também cresceu.

    Será lamentável se essa tendência for revertida nos próximos meses, em razão dos efeitos retardados do aperto monetário que começou há um ano e de novos que podem vir.

    O conformismo com o arrocho monetário é inadmissível. Por definição, altas taxas de juros solapam a produção, desestimulam investimentos e impedem o crescimento econômico e a criação de empregos. Ninguém vai me convencer do contrário, nem que fique sozinho nessa batalha. Não dá para explicar por que o Brasil precisa continuar sendo, durante tantos anos, dependente desse remédio amargo e cheio de danosos efeitos colaterais.

    A vergonhosa realidade da mais alta taxa de juros do mundo.

    benjamin steinbruch

    É empresário, diretor-presidente da CSN, presidente do conselho de administração e 1º vice-presidente da Fiesp. Escreve às terças, a
    cada duas semanas.

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