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    Benjamin Steinbruch

    Violência e direitos

    03/06/2014 02h00

    Em junho do ano passado, ocorreram aquelas enormes manifestações populares nas metrópoles brasileiras. Aos poucos elas perderam força, não propriamente pelo atendimento às suas reivindicações, mas, sim, porque os manifestantes recuaram ante a infiltração criminosa de grupos cuja principal característica era a violência contra o patrimônio público e privado.

    Há duas semanas, houve um movimento em São Paulo que paralisou o transporte de ônibus na região metropolitana, com enormes prejuízos para os trabalhadores, para as empresas e para as famílias em geral. Uma das crueldades desse movimento foi que começou sem qualquer aviso prévio, o que obrigou muitas pessoas a voltar a pé para casa.

    O que há de semelhante entre os dois movimentos? Nada muito evidente. Um surgiu entre jovens, e outro, entre trabalhadores de um serviço público essencial, com influências ainda não muito claras.

    Houve, porém, uma característica comum: em ambos os movimentos, não havia lideranças marcantes. Para o bem ou para o mal, vivemos em um novo mundo, em que um único cidadão pode deflagrar um movimento de repercussão local, nacional ou mesmo internacional. O ato do jogador Daniel Alves, do Barcelona, de comer uma banana, por exemplo, teve impacto mundial e deu início a uma bem-vinda campanha contra o racismo no futebol.

    Todos nós precisamos aprender a lidar com esses novos tempos modernos, em que movimentos diversos surgem quase como por geração espontânea. Mas há uma tendência que muitas vezes se associa a essa onda e que não pode ser aceita: a incitação ao crime e à violência.

    Já temos violência demais e não se pode admitir que ela cresça pelo impacto de novas tecnologias –ao contrário, temos a obrigação de usar essas tecnologias para contê-la.

    Um passeio pelos números da criminalidade no país mostra um quadro estarrecedor. Dados da ONU indicam que, em 2012, houve 50.108 homicídios no Brasil. Nosso índice, de 25 homicídios por ano para cada 100 mil habitantes, é um dos mais altos do mundo. Para ter uma ideia, o índice da França é 1,8 para cada 100 mil habitantes.

    Os números de estupros também são assustadores, na casa de 50 mil por ano, levando em conta apenas aqueles que são notificados à polícia. Como se sabe, esse é um crime muitas vezes não denunciado por vergonha ou pelo medo que as vítimas têm de represália.

    Por que a criminalidade é alta? Por várias razões, mas seguramente uma causa muito importante é a ausência de punição. A decisão de fazer um assalto, cometer um homicídio ou traficar drogas é estimulada pelo baixo risco de ser apanhado pela polícia e punido pela Justiça.

    Segurança pública passou a ser a segunda maior preocupação dos brasileiros –a primeira sempre foi a saúde– e isso deveria ser um recado aos candidatos que pleiteiam a Presidência.

    Além de tratar do plano econômico, da reforma política e dos programas sociais, os candidatos têm a obrigação de apresentar propostas para a área da segurança. Não podem se omitir, sob o argumento de que esse é um problema de governos estaduais e municipais.

    Vem aí a Copa do Mundo, um evento que, para surpresa geral, acabou sendo contestado por parte da opinião pública. O verdadeiro cidadão, qualquer que seja a sua opinião a respeito da importância e dos gastos públicos da Copa, não pode se deixar levar por movimentos que incitam práticas violentas.

    A violência é uma doença que se espalha numa sociedade, como outras epidemias, sempre que o processo não é interrompido pela identificação de focos geradores desse comportamento.

    Infelizmente, nos últimos anos, além da expansão da criminalidade –os homicídios crescem a um ritmo de 8% ao ano–, espalhou-se um novo tipo de truculência, que atinge as pessoas que passam pelas ruas e o patrimônio público e privado, arregimentada por meio das redes sociais. Pessoas são feridas, ônibus incendiados e agências bancárias e vitrines de lojas são quebradas sem nenhuma razão específica, simplesmente pelo desejo de demonstrar ferocidade e crueldade.

    O direito de livre manifestação pacífica deve ser preservado, desde que não viole o direito de ir e vir dos demais cidadãos. A violência, porém, não pode ser tolerada pela sociedade, nem na Copa nem em nenhum outro momento.

    benjamin steinbruch

    É empresário, diretor-presidente da CSN, presidente do conselho de administração e 1º vice-presidente da Fiesp. Escreve às terças, a
    cada duas semanas.

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