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    Benjamin Steinbruch

    Contramão

    17/06/2014 02h00

    Em plena Copa do Mundo, é impossível deixar de acompanhar os problemas da economia. É mais do que preocupante o atual cenário da indústria brasileira. Um pouco antes do início do Mundial, ficamos sabendo, pelo IBGE, que a produção industrial teve uma nova queda em abril, de 0,3% em relação ao mês anterior. Na comparação com maio do ano passado, a queda é de 5,8%.

    A preocupação com a indústria aumenta porque seu ambiente recessivo se espalha praticamente por todas as regiões e todos os setores.

    No ainda importante setor de veículos, os números de maio mostraram uma queda de produção de 18% na comparação com o mesmo mês do ano passado. As empresas tiveram de ajustar sua produção à demanda diminuindo o ritmo de trabalho, parando linhas de montagem e, infelizmente, demitindo empregados.

    Quase 5.000 vagas foram fechadas desde o início do ano nas montadoras, que também apresentam queda anual de 24% no faturamento de exportações. Na indústria como um todo, na comparação com o mesmo mês do ano passado, houve em abril uma queda de 2,2%, a 31ª seguida.

    Por que tudo isso está acontecendo? Há um discurso, largamente difundido, sobre a falta de confiança do setor empresarial, que se sente inseguro, por muitas razões, para fazer investimentos produtivos. Tudo isso é verdade. Mas há também um fato incontestável, que colabora de forma definitiva para colocar a indústria e toda a economia brasileira no rumo da recessão.

    É óbvio que estou falando da falta de crédito e dos juros. Não dá para explicar a ninguém por que, num momento em que tanto os países emergentes quanto os desenvolvidos estão cortando ferozmente os juros, aqui no Brasil continuamos com uma taxa de 11% ao ano. É a maior taxa do mundo, tanto em termos nominais como reais. Todo o mundo desenvolvido opera com taxas reais negativas (abaixo de zero) e alguns emergentes também, como a Índia.

    Há duas semanas, o Banco Central Europeu adotou até uma taxa nominal negativa, de 0,10%, para depósitos dos bancos privados. Isso significa que os bancos europeus, para deixarem seu dinheiro depositado com segurança no BCE, precisam pagar 0,10% do valor depositado por ano. Enquanto isso, aqui no Brasil, quem comprar títulos do Tesouro, aplicação de risco zero, ganhará 11% ao ano, algo como 4,5% em termos reais (acima da inflação).

    Na contramão do mundo, o Brasil vem aumentando a taxa básica de juros desde abril do ano passado. Nesse período, a nossa conhecida Selic passou de 7,25% para 11%, nível atual. O objetivo, nobre, era conter a inflação, que se aproximava e ainda se aproxima perigosamente do teto da meta, de 6,5% ao ano.

    Para nossa decepção, o efeito esperado dessa política praticamente não se deu. Enquanto isso, o efeito colateral se apresenta em cheio, colaborando para esfriar a economia e colocá-la no caminho da recessão, como mostram dados citados acima.

    A esta altura, nem os analistas mais otimistas preveem um crescimento do PIB de 2% no ano, o que já seria um retrocesso em relação ao fraco desempenho de 2013 (2,3%).

    O que fazer? Ora, é elementar: baixar os juros. Se a política de arrocho não está fazendo efeito para segurar a inflação, até porque grande parte dessa inflação decorre de fatores incontroláveis via aperto monetário, então ela é indesejada, já que tem efeito colateral devastador.

    As altas taxas de juros têm forte impacto nos custos empresariais, já agravados por energia, câmbio, falta de crédito e outros fatores. Levantamento da CNI mostrou que os custos do capital de giro da indústria aumentaram incríveis 33% no primeiro trimestre em comparação com o mesmo período de 2013. Além disso, o rendimento financeiro real, acima da inflação, obviamente desestimula os investimentos produtivos.

    É necessário ter coragem para afrouxar agora a política monetária, numa conjuntura de disputa eleitoral e contra a vontade do mercado financeiro.

    Qualquer redução da Selic antes da eleição será certamente taxada de medida eleitoreira e, mais ainda, interpretada como atitude de leniência com a inflação.

    De qualquer forma, ganhe quem ganhar a eleição presidencial, precisará adotar uma política monetária mais frouxa. Se não fizer isso, na certa enfrentará uma recessão logo no primeiro ano de governo, para decepção de seus eleitores.

    benjamin steinbruch

    É empresário, diretor-presidente da CSN, presidente do conselho de administração e 1º vice-presidente da Fiesp. Escreve às terças, a
    cada duas semanas.

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