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    Benjamin Steinbruch

    Paralisia

    12/08/2014 02h00

    A visita ao Brasil do primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe, fez-nos lembrar da batalha que esse trava há mais de um ano para conseguir reintroduzir a inflação na economia.

    É isso mesmo: para crescer, segundo o diagnóstico do premiê, o Japão precisa de inflação. Desde o início da década de 1990, após o estouro de uma bolha imobiliária, os japoneses enfrentam um processo sistemático de queda de preço, que os economistas chamam de deflação.

    Uma espiral deflacionária, algo difícil até de ser entendido pelos brasileiros, acostumados com espirais inflacionárias, provocou a estagnação da economia japonesa durante quase duas décadas, na avaliação de Abe. A queda de preços lenta e consistente a princípio parece ser favorável aos consumidores. A realidade do Japão, porém, mostrou que ela traz um benefício ilusório.

    Quando os consumidores sabem que os preços serão mais baixos no futuro, tendem a adiar suas compras. Isso provoca queda de vendas e redução de salários, o que acaba reduzindo ainda mais as vendas. Eis aí a espiral deflacionária.

    Quando Shinzo Abe assumiu a chefia do governo japonês, em fins de 2012, já tinha a intenção de lançar um plano de estímulo ao aumento de preços, que praticamente não subiam desde o fim dos anos 1990.

    Um Big Mac, cujo preço vem sendo usado pela revista "The Economist" para calcular a sobrevalorização ou a subvalorização das moedas no mundo, custava 400 ienes em meados da década de 1990 em Tóquio. Treze anos depois, caíra para 280 ienes. Enquanto isso, nesse mesmo período, o preço em dólares, em Nova York, subia cerca de 80%.

    No início do ano passado, Abe lançou um pacote que incluiu, entre outras medidas, dobrar a oferta de moeda na economia em um ambiente de juros negativos, desvalorizar o iene e elevar o custo de energia, alimentos e outros itens essenciais para os consumidores. Essas medidas foram rotuladas de "Abenomics".

    O plano de Abe não é obviamente, uma receita para o Brasil, que sofre com inflação alta, e não deflação, além do baixo crescimento.

    Faço aqui um parênteses para observar que pouco destaque vem sendo dado no Brasil à deflação ocorrida nos últimos três meses nos IGPs (Índice Geral de Preços) da FGV –apenas algumas notas em pé de página têm sido publicadas.

    O IGP, que já foi o índice de inflação oficial no país, reflete mais pesadamente os preços no atacado (60%) do que no varejo. Um desses índices, o IGP-DI, teve quedas de 0,45% em maio, 0,63% em junho e 0,55% em julho.

    Os especialistas entendem que há uma forte convergência dos índices de preços ao longo do tempo, ou seja, eles tendem a apresentar variações semelhantes no médio prazo. A tendência que se verifica nos preços ao produtor (atacado) em geral chega ao consumidor (varejo) com defasagem de alguns meses. Isso pode ser uma boa notícia para o índice de inflação oficial, o IPCA, que apura a variação de preços no varejo.

    Em julho, o IPCA foi praticamente zero -teve uma minúscula alta de 0,01%. Essas quedas poderiam ser comemoradas se não fossem um reflexo assustador da fraqueza da indústria, no caso dos IGPs, e da redução do consumo, no caso do IPCA.

    Voltemos ao tema Japão. Um ano e meio após o lançamento do plano de Abe, que foi complementado com medidas ao longo do período, a economia japonesa começa a sair de seu longo período de estagnação.

    A inflação subiu só 0,4% em 2013, abaixo ainda da meta estabelecida para 2015, de 2%, mas o PIB voltou a subir. No primeiro trimestre, a expansão foi de 1,5% ante o trimestre anterior e de 5,9% sobre o mesmo período de 2013. Foi o sexto trimestre seguido de expansão, em um ambiente que inclui aumento de consumo e de investimentos corporativos, um claro sinal de que o ambicioso programa de Abe está funcionando.

    Só ao longo dos anos será possível avaliar o impacto duradouro das Abenomics na economia japonesa. Mas, apesar disso e embora a receita de Abe não se aplique propriamente ao Brasil, podemos nos inspirar em um aspecto importante do programa: a coragem de propor medidas ousadas.

    O Brasil precisa de decisões corajosas para voltar a crescer –algumas reformas já sugeridas à exaustão são urgentes, inclusive de pensamento. Não se pode insistir na ortodoxia, que leva à paralisia.

    benjamin steinbruch

    É empresário, diretor-presidente da CSN, presidente do conselho de administração e 1º vice-presidente da Fiesp. Escreve às terças, a
    cada duas semanas.

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