• Colunistas

    Saturday, 04-May-2024 16:02:51 -03
    Benjamin Steinbruch

    Incertezas

    13/01/2015 02h00

    Além do abominável massacre de Paris, o ano novo começou com velhas incertezas na economia. A crise da Grécia, que já recebeu socorro de € 240 bilhões União Europeia e do FMI, volta a assustar o mercado mundial.

    Desta vez, há possibilidade concreta de a Grécia deixar a zona do euro. A imprensa alemã diz que o governo de Angela Merkel mudou de opinião e agora acha que a União Europeia é capaz de administrar a saída da Grécia. No início da crise, seis anos atrás, isso seria uma catástrofe, porque Portugal, Irlanda e Espanha acabariam sendo atingidos pela desconfiança. Hoje, esse desdobramento parece menos provável.

    Se a esquerda grega ganhar as eleições do dia 25 –está à frente nas pesquisas–, a probabilidade da saída subirá muito. A velha dracma poderá voltar a ser a moeda da Grécia, certamente muito desvalorizada.

    Nos EUA, o clima de janeiro é diferente. O país criou cerca de 3 milhões de empregos no ano passado. Foi o maior número desde 1999, o que indica claramente a superação da crise de 2008.

    A economia americana opera quase a pleno emprego e aproxima-se o dia em que o Fed (banco central) vai começar a elevar os juros, hoje próximos de zero. Paira sobre os EUA a forte queda dos preços do petróleo, que agrada aos consumidores, mas pode afetar a pujante indústria de óleo de xisto americana e também criar problemas geopolíticos pelo enfraquecimento das economias de países produtores.

    A recuperação americana é a melhor notícia do momento. Em 2014, os EUA voltaram a ser os maiores compradores de manufaturados brasileiros, num total da US$ 13,7 bilhões, ocupando o lugar em que esteve a Argentina nos últimos cinco anos. Esse nível, porém, ainda está distante daquele de antes da crise –US$ 16,3 bilhões em 2008.

    Será que os EUA podem puxar para cima a economia do resto do mundo? Depende da China. Se o país asiático continuar desaquecendo, provavelmente a resposta será não. Informação não oficial diz que a China acelerou 300 projetos de infraestrutura no valor de US$ 1,1 trilhão, um fato novo capaz de ajudar na recuperação global.

    Entre as incertezas de janeiro, há ainda recessões e estagnações em países da Europa, na América Latina, no Japão, na Rússia e em várias outras nações ricas e emergentes. Ou seja, o Brasil não está sozinho com seu baixo crescimento e desequilíbrio fiscal.

    Tomou posse o novo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, com discurso de austeridade, apoiado de norte a sul, de leste a oeste. O governo realmente precisa de mais disciplina nos gastos públicos, estabilidade regulatória, previsibilidades, incentivo à concorrência, competitividade.

    Seria prudente, porém, ir um pouco mais devagar com o andor da ortodoxia quando se trata da promoção do crescimento. O governo não pode jamais abdicar de seu papel de indutor do desenvolvimento, por meio de ações específicas –política industrial, por exemplo– em áreas estratégicas, de pesquisa e desenvolvimento, novas tecnologias, infraestrutura, energias alternativas etc.

    Há dias, o professor Zhang Jun, da Universidade Fudan, de Xangai, escreveu um artigo no qual sustenta que o segredo do crescimento chinês continuado é a "capacidade de recuperação". Nos últimos 35 anos, a China sofreu inúmeras crises internas e choques externos, mas manteve uma média anual de crescimento em 9,7%. Algo semelhante ocorreu em várias nações que mudaram seu status de baixa renda para alta renda, como Coreia do Sul e Taiwan.

    Crises e problemas econômicos, portanto, são inevitáveis na história das nações, por erros internos na condução da economia, por impactos de crises externas ou pelas duas coisas juntas. Importante é ter poder de recuperação quando os problemas se instalam.

    O processo competitivo global exige das economias, assim como das empresas, uma reinvenção permanente. Além de cuidar da sobrevivência de setores básicos e estratégicos, sem os quais um país não se sustenta, cabe ao governo zelar pela capacidade de recuperação da economia, reorientar investimentos, cultivar vocações setoriais, estimular setores dinâmicos, lutar pelo crescimento. Coisas que o mercado, sozinho, não faz. Ignorar olimpicamente a derrocada da indústria, por exemplo, é flertar com o desastre.

    benjamin steinbruch

    É empresário, diretor-presidente da CSN, presidente do conselho de administração e 1º vice-presidente da Fiesp. Escreve às terças, a
    cada duas semanas.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024