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    Benjamin Steinbruch

    Fazer a nossa parte

    24/03/2015 02h00

    Os mais velhos se lembram, os mais jovens talvez desconheçam, mas houve no país, mais de 50 anos atrás, uma campanha chamada "Ouro para o bem do Brasil". Eu era criança e me recordo de ter visto na televisão, em preto e branco, filas de pessoas humildes esperando para doar alianças, anéis, correntinhas e outras pequenas peças de ouro.

    O casal que doasse um par de alianças recebia de brinde alianças de latão com a inscrição "Doei ouro para o bem do Brasil".

    Era 1964, alguns meses depois do movimento militar que derrubou o presidente João Goulart. O país estava literalmente quebrado. Sem reservas cambiais, com inflação que atingia uma taxa anual de 100%, parecia fazer algum sentido aos idealizadores do movimento arrecadar ouro e outras doações da população para tentar salvar o Brasil.

    Para isso, usaram o que tinham de mais moderno na época em comunicação, o maior grupo de mídia do país, os Diários e Emissoras Associados, do lendário Assis Chateaubriand. Lembro-me da figura do repórter Tico-Tico (José Carlos de Moraes), que narrava ao vivo, com grande emoção, o movimento dos doadores concentrados na rua Sete de Abril, centro de São Paulo, onde ficavam os estúdios da TV Tupi Canal 4.

    Não sei e nem tem este artigo o intuito de perguntar, passados tantos anos, para onde foi o ouro arrecadado em São Paulo e em todo o Brasil durante essa campanha. Rápida pesquisa na internet indica que a revista "Cruzeiro", a maior do país na época e pertencente ao mesmo grupo de mídia, informou em junho de 1964 que 400 quilos de ouro e meio bilhão de cruzeiros haviam sido arrecadados na campanha. Até o então governador de São Paulo, Adhemar de Barros, que viria a ser depois cassado pelo governo militar, doou 400 mil cruzeiros, o equivalente a um salário mensal dele. O próprio presidente do Congresso Nacional, senador Auro Soares de Moura Andrade, recebeu pomposamente a chave do cofre em que foram colocados o ouro e as demais doações.

    Talvez eu tenha me lembrado disso porque muitos brasileiros estão se manifestando hoje com o mesmo intuito de 50 anos atrás, ajudar o país. Além de gritar nas ruas, estão colaborando, não doando ouro, mas pagando mais impostos e tarifas públicas mais altas num momento em que seus empregos são ameaçados pela recessão em curso.

    Há um fato comprovado sobre essa campanha de 1964: ela arrecadou ouro e dinheiro, mas não salvou o Brasil. O Brasil não pode ser salvo por movimentos mirabolantes, nem pelos voluntariosos, como pareciam ser os da empreitada do ouro, nem pelas campanhas digitais dos dias de hoje, que pululam nas redes sociais.

    O Brasil só pode ser salvo pela produção e pelo trabalho. É difícil encontrar alguém que discorde dessa afirmação, por mais clichê que ela seja. Enquanto não for dada prioridade ao setor que produz, vamos ficar andando em círculos.

    Os ajustes fiscais que estão sendo feitos na economia são necessários, mas não podem se concentrar em medidas que pegam de surpresa e sufocam ainda mais os setores produtivos e os consumidores. Legislações que acabaram de ser tornadas definitivas, como a desoneração de folhas de pagamento, não podem ser inesperadamente ceifadas.

    Medidas que compensam o exportador por custos desproporcionais em relação a seus concorrentes globais, como as do Reintegra e o Proex, não podem ser simplesmente abandonadas. Os juros absurdos e o crédito inacessível, que oneram a produção num momento recessivo como este, não podem ser considerados normais, como estão sendo.

    Nas empresas, apesar de tudo, é ter sangue-frio para seguir no trabalho de planejar investimentos, estabelecer metas, buscar eficiência, cobrar resultados, qualificar mão de obra e, sobretudo, investir em gente que goste do que faz. O caminho é apostar no enorme mercado interno e não perder de vista o externo, até porque o câmbio favorável, que assusta pelo provável efeito inflacionário, vai estimular as exportações.

    Não dá para fazer milagres ou ser o salvador da pátria em uma conjuntura difícil como a atual. Só é possível fazer o possível. Vale lembrar, porém, que momentos como este são oportunidades de ouro para os empreendedores que queiram trabalhar e sair na frente no fim da crise.

    benjamin steinbruch

    É empresário, diretor-presidente da CSN, presidente do conselho de administração e 1º vice-presidente da Fiesp. Escreve às terças, a
    cada duas semanas.

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