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    Bernardo Mello Franco

    A carta do vice

    09/12/2015 02h00

    BRASÍLIA - Além de alimentar a fábrica de piadas da internet, a carta de Michel Temer a Dilma Rousseff mostrou o nível rasteiro em que se discute o futuro da República. Das 883 palavras do documento, nenhuma trata dos problemas graves que o país enfrenta. Na maior parte do texto, o vice-presidente se limita a remoer mágoas pessoais e reivindicar cargos perdidos por aliados.

    Temer se queixa de que Dilma o trata como "vice decorativo". Reclama que perdeu o "protagonismo" do passado. Diz que é visto com "menosprezo" pelos petistas. Em um trecho especialmente infeliz, protesta por não ter sido convidado para uma reunião com o americano Joe Biden.

    "É um desabafo que deveria ter feito há muito tempo", dramatiza o vice. As redes sociais não perdoaram o tom lacrimoso da carta. Temer virou alvo de montagens cômicas e chegou a ser rebatizado de "Mimimichel".

    Apesar de ter assustado o Planalto, o vice perdeu pontos no Congresso. "Se ele era um vice decorativo, por que desejou manter a aliança em 2014?", questionou o líder do PMDB na Câmara, Leonardo Picciani.

    No Senado, peemedebistas reclamaram que o vice só demonstrou preocupação com os empregos de amigos do peito, como Eliseu Padilha e Moreira Franco. A oposição também bateu duro. "A carta foi uma demonstração de fisiologismo puro", atacou o tucano Cássio Cunha Lima.

    As lamúrias de Temer não combinam com a imagem de estadista que ele tenta projetar. Suas queixas soam pequenas demais para quem busca se credenciar como um líder maduro e capaz de tirar o país da crise.

    Temer tropeçou na própria vaidade, mas sua carta serviu para ressaltar um grave defeito de Dilma. Em quase cinco anos na Presidência, ela manteve o mau costume de destratar aliados e desprezou a tarefa de cultivar amizades no Congresso. Esse comportamento arrogante, relatado até por políticos que dizem gostar dela, pode cobrar um preço alto na votação do impeachment.

    bernardo mello franco

    Jornalista, assina a coluna Brasília. Na Folha, foi correspondente em Londres e editor interino do 'Painel'.

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