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    Bernardo Mello Franco

    Punição ou férias?

    13/10/2016 02h00

    Marlene Bergamo-23.nov.2007/Folhapress
    L., 15, entre a madrasta (esq.) e a mãe, em Belém (PA). O jornal Folha de S.Paulo encontrou L. e sua família (mãe, madrasta e o pai biológico) nas dependências da Polícia Rodoviária Federal em Belém, que vem garantindo a proteção do grupo desde o dia 23 de novembro de 2007, a pedido da Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente, órgão ligado à Presidência da República. A adolescente foi colocada numa cela com outros presos durante 26 dias, em Abaetetuba (137 km de Belém - PA). A garota, acusada de tentativa de furto, disse ter sido estuprada e agredida pelos presos durante todo o período em que esteve presa. (Belém, PA, 23.11.2007. Foto Marlene Bergamo/Folhapress) (ATENÇÃO: FOTO DE JOVEM: ADOLESCENTE. ANTES DE PUBLICAR, VERIFICAR SE NÃO EXPÕE A JOVEM: ADOLESCENTE A CONSTRANGIMENTO)
    L. entre a madrasta (esq.) e a mãe, em Belém (PA). Presa em cela masculina, foi torturada e estuprada

    BRASÍLIA - O caso chocou o país no fim de 2007. Aos 15 anos, uma adolescente foi jogada numa cela lotada de homens em Abaetetuba, interior do Pará. Durante 26 dias, ela apanhou, teve a pele queimada com cigarros e foi estuprada. A jovem havia sido presa sem julgamento, sob a acusação de tentar furtar um celular.

    Quando a história veio à tona, o chefe da polícia paraense foi chamado a se explicar no Senado. Num plenário cheio de parlamentares e jornalistas, afirmou que a jovem deveria ter "alguma debilidade mental". Era a resposta oficial à barbárie: culpar a vítima pela violência que sofreu sob a custódia do Estado.

    Pouco depois, descobriu-se que o delegado não era a única autoridade a lavar as mãos no episódio. A juíza Clarice Maria de Andrade havia recebido um ofício "em caráter de urgência" pedindo a transferência da jovem. O documento dizia que ela corria "risco de sofrer todo e qualquer tipo de violência" na cadeia. Apesar disso, a magistrada demorou 13 dias para tomar providências.

    Em 2010, o Conselho Nacional de Justiça puniu a juíza com a aposentadoria compulsória. Ela recorreu ao Supremo Tribunal Federal, que anulou a decisão e determinou que o CNJ voltasse a examinar o caso.

    Passados nove anos, o conselho decidiu nesta terça (11) que a omissão da juíza contribuiu para os abusos. O relator Arnaldo Hossepian concluiu que ficou "evidente a falta de compromisso da magistrada com suas obrigações funcionais". A defesa alegou que ela desconhecia as condições da prisão.

    A doutora foi afastada do cargo, mas continuará a receber o salário em dia. Vai passar os próximos dois anos em casa, com despesas pagas pelo contribuinte paraense. Manterá o direito de ser chamada de "excelência" e poderá voltar ao serviço depois da temporada de meditação doméstica. Na Lei Orgânica da Magistratura, isso é descrito como pena de "disponibilidade". Em outras profissões, seria chamado de férias.

    bernardo mello franco

    Jornalista, assina a coluna Brasília. Na Folha, foi correspondente em Londres e editor interino do 'Painel'.

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