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    Bernardo Mello Franco

    Marketing do arrependimento

    04/12/2016 02h00

    BRASÍLIA - "Desculpe, a Odebrecht errou". Assim começa o anúncio de duas páginas que a maior empreiteira do país publicou nos jornais de sexta-feira (2). Na propaganda, a empresa "reconhece que participou de práticas impróprias".

    "Não importa se cedemos a pressões externas", prossegue o texto, insinuando que os empresários corruptores foram forçados a financiar os políticos corruptos. "Foi um grande erro, uma violação dos nossos próprios princípios, uma agressão a valores consagrados de honestidade e ética", continua o comunicado.

    O discurso pode sugerir arrependimento, mas é apenas marketing. Há um ano e meio, a mesma empresa manifestava "indignação com as ordens de prisão de cinco de seus executivos". "A Odebrecht nega ter participado de qualquer cartel", dizia a peça publicitária de junho de 2015.

    Reprodução/TV Globo
    A polícia esteve no início da manhã no prédio da Odebrecht, em São Paulo
    Vista externa do prédio-sede da empreiteira Odebrecht em São Paulo

    Entre as duas propagandas, publicadas em formato idêntico, o que mudou foi o contexto. A construtora esperava se safar de bico calado, mas foi atropelada por um caminhão de provas e teve que negociar um acordo de delação com a Lava Jato.

    As investigações revelaram que a empresa mantinha um departamento exclusivo para o pagamento de propina. Suas planilhas ligam valores milionários a mais de 300 políticos de todos os grandes partidos.

    Um pedido de desculpas pode ser melhor do que nenhum, mas seria melhor se a Odebrecht, em vez de posar de Madalena arrependida, fosse direto ao ponto. Num comunicado objetivo, poderia dizer quem subornou, quanto pagou e que obras fraudou, embolsando dinheiro público.

    O anúncio desta sexta ainda ilude os leitores ao sugerir que os malfeitos recentes destoaram do histórico de "princípios" da empresa. Velha freguesa do noticiário de corrupção, a Odebrecht deve sua força à ditadura militar.

    Apoiada pelo regime, saltou do 19º lugar para o topo do ranking do setor. Numa curiosa coincidência, a escalada começou com a construção do edifício-sede da Petrobras.

    bernardo mello franco

    Jornalista, assina a coluna Brasília. Na Folha, foi correspondente em Londres e editor interino do 'Painel'.

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