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    Bernardo Mello Franco

    Benemerência com causa

    29/12/2017 02h00

    Mateus Bonomi/Folhapress
    O presidente Michel Temer em evento em Brasília
    O presidente Michel Temer em evento em Brasília

    BRASÍLIA - A ministra Cármen Lúcia tirou o presente de Natal da gatunagem do colarinho branco. Ela suspendeu o decreto de Michel Temer que afrouxava as regras para o indulto presidencial. O texto permitia perdoar até 80% das penas de condenados por crimes como corrupção e lavagem de dinheiro.

    O ato ganhou o apelido de "decreto do insulto" e gerou um levante de juízes e investigadores. Nomeada por Temer, a procuradora Raquel Dodge classificou o texto como "arbitrário", "inconstitucional" e "indiscriminado". Ao contestar a generosidade presidencial, ela conseguiu o que parecia impossível: recebeu elogios do antecessor, Rodrigo Janot.

    Para a chefe do Ministério Público Federal, o decreto "ampliou benefícios desproporcionalmente e criou um cenário de impunidade". Ela disse que a medida favorecia, em especial, quem praticou crimes contra a administração pública. Além de reduzir penas, permitia o cancelamento de multas aplicadas pela Justiça.

    "O decreto de indulto faz o crime compensar", escreveu Dodge. "A Lava Jato está colocada em risco, assim como todo o sistema de responsabilização criminal", acrescentou.

    A presidente do Supremo concordou com os argumentos da procuradora. "Indulto não é nem pode ser instrumento de impunidade", afirmou. "Não é prêmio ao criminoso nem tolerância ao crime. Nem pode ser ato de benemerência ou complacência com o delito", prosseguiu.

    A liminar amplia o desgaste de um governo que passou o ano na defensiva, com o presidente e seus aliados mais próximos acusados de corrupção. A decisão tem trechos curiosos. Em dois momentos, Cármen cita decisões do ministro Gilmar Mendes, conselheiro do Planalto, para apontar desvio de finalidade no decreto.

    Em outra passagem, ela observa que o indulto não pode se converter em "benemerência sem causa". A presidente do Supremo foi elegante, porque a causa da benemerência de Temer estava claríssima.

    bernardo mello franco

    Jornalista, assina a coluna Brasília. Na Folha, foi correspondente em Londres e editor interino do 'Painel'.

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