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    Carlos Heitor Cony

    Desprezo ao homem comum

    05/03/2013 03h30

    RIO DE JANEIRO - Com a renúncia do papa, o incêndio na boate em Santa Maria (no Rio Grande do Sul), o desfile cafona no tapete vermelho, a rotineira e discutível premiação da Academia de Hollywood, mais uma vez a mídia revelou seu culto à redundância. Numa entrevista feita dias antes de se suicidar, Walmor Chagas também criticou a redundância de temas e recursos do teatro e do cinema, principalmente aqui, no Brasil.

    Revelou que continuava a receber convites para atuar no palco, nas telas e na televisão, afinal, era um dos maiores atores em atividade. Mas os projetos que recebia eram tão repetitivos e alienados que ele recusava. Preferiu ir embora a aceitar papéis e temas que nada diziam à sua formação e ao seu gosto.

    Deu até um exemplo: uma peça em que três líderes do movimento dos sem-terra são presos e interrogados por uma junta político-militar. Seria uma oportunidade para debater um problema antigo, mas atual. Da habilidade de produção, direção e interpretação haveria espaço para abrir um tipo de informação que costuma ser tratada como assunto que não rende público.

    O homem comum pouco aparece nas diversas mídias tradicionais, com exceção, talvez, dos desabafos e ressentimentos despejados na internet. Na semana passada, soube de um caso que não foi noticiado, talvez pelo fato de ser comum e com personagens comuns. Uma doméstica de 22 anos foi estuprada pelo filho do patrão e engravidou.

    Ela se virou como pôde até chegar a hora do parto. Um motorista de praça rodou com ela por vários hospitais, até que encontrou um que a aceitou. Teve a criança na pia da cozinha hospitalar. O filho nasceu, a mãe morreu por infecção.

    Nelson Rodrigues faria disso uma peça que, certamente, seria proibida pela censura. Walmor Chagas preferiu ir embora.

    carlos heitor cony

    Escreveu até dezembro de 2017
    carlos heitor cony

    É membro da ABL. Começou sua carreira no jornalismo em 1952 no 'Jornal do Brasil'. É autor de 17 romances e diversas adaptações de clássicos.

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