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    Carlos Heitor Cony

    Assanhamento

    18/05/2014 02h00

    RIO DE JANEIRO - Nas últimas semanas, diariamente, as primeiras páginas dos nossos jornais e as primeiras chamadas dos noticiários da televisão, com certa monotonia e uma incerta crítica às nossas autoridades, revelam dúvidas e lamentações contra a Copa do Mundo.

    Nunca antes um evento que tradicionalmente mexe com a alma e o corpo dos brasileiros, mesmo daqueles que detestam o futebol, criou um suspense tão sinistro.

    Como reagirá o povo antes e durante a realização dos jogos e diante da massa de torcedores de todo o mundo? Na melhor das hipóteses, haverá euforia desenfreada se o Brasil conseguir o hexa. Digamos que no primeiro jogo, a Croácia vença ou empate com a seleção de Felipão. Pronto. Chegaram os dias anunciados pelo "Apocalipse", por Nostradamus e por uma porrada de profetas do Velho e do Novo Testamento.

    Dona Dilma, apesar de não ser profetisa nem do Velho nem do Novo Testamento, apelou para a decantada fama da hospitalidade nacional, para o homem cordial louvado por alguns sociólogos.

    Acontece que o brasileiro comum nada tem de cordial. Tem o assanhamento herdado dos nossos índios quando viram no horizonte as caravelas de Pedro Álvares Cabral.

    Pulando de Cabral para Charles Dickens (1812-1870), lembro um de seus maiores personagens. Mister Pickwick aconselhava seus discípulos: "Quando encontrarem uma multidão gritando 'viva' ou 'morra', gritem com a multidão".

    Um espírito de porco perguntou: "E se encontrarmos duas multidões, uma gritando 'viva', outra gritando 'morra'?" O mestre ensinou: "Então gritem com a multidão que gritar mais alto".

    Dona Dilma deve seguir o conselho de Pickwick: esquecer a hospitalidade do homem brasileiro e enfrentar a realidade. E torcer para que Neymar e Fred façam bastantes gols.

    carlos heitor cony

    Escreveu até dezembro de 2017
    carlos heitor cony

    É membro da ABL. Começou sua carreira no jornalismo em 1952 no 'Jornal do Brasil'. É autor de 17 romances e diversas adaptações de clássicos.

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