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    Carlos Heitor Cony

    A primeira crise

    23/09/2014 02h00

    RIO DE JANEIRO - Na noite de 24 de agosto de 1961, após assistir ao programa de TV em que Carlos Lacerda denunciava a trama de Jânio Quadros para fechar o Congresso e se investir das funções de ditador, JK telefonou para seu primo, o deputado Carlos Murilo Felício dos Santos. Carlos Murilo não assistira ao programa.

    Naquele tempo não havia o sistema atual de retransmissões e o alcance médio de cada emissora não ultrapassava 80 quilômetros. Ninguém em Brasília assistira ao programa. Nem por isso os ânimos estavam quietos. Boatos sobre a crise levaram muitos deputados e senadores ao Congresso.

    A 25 de agosto, a renúncia de Jânio surpreendeu a todos. Menos a JK. Não que fosse mais sábio, sagaz ou melhor informado do que os demais. Ele tivera experiências dramáticas no poder e sabia que a instabilidade de Jânio não aguentaria um desafio mais grave. Surpreendia-se, sim, com os detalhes que começavam a ser espalhados, não com o fato em si. No dia 26, depois de contatar os membros da cúpula do PSD, embarcou para Brasília.

    Quantas vezes fizera aquela viagem? Mais de mil vezes. Saía sempre à noite, findo o expediente no Catete, jantava, embarcava. Os velhos DC-3 gastavam quase cinco horas para chegar ao Planalto, onde ele fiscalizaria as obras de sua cidade. Nos antigos aparelhos da FAB, gostava de ver, pela janelinha, a linha vermelha marcando no horizonte a alvorada que surgia. Mas agora, ao sentar-se no táxi aéreo que o levaria a Brasília –que enfrentava a primeira crise como centro político do país–, ele sentiu, de repente, um arrepio. O arrepio que sente o trabalhador quando, depois da jornada ao sol, se prepara para o longo, o incerto anoitecer.

    PS - Com as atuais crises em Brasília, envolvendo personagens importantes de nossa vida pública, vale recordar a primeira grande crise da então nova capital –descrita em "JK: Memorial do Exílio" (Ed. Bloch, 1982), e "JK e a Ditadura" (Objetiva, 2013).

    carlos heitor cony

    Escreveu até dezembro de 2017
    carlos heitor cony

    É membro da ABL. Começou sua carreira no jornalismo em 1952 no 'Jornal do Brasil'. É autor de 17 romances e diversas adaptações de clássicos.

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