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    Carlos Heitor Cony

    Louvor a Cachambi

    25/11/2014 02h00

    RIO DE JANEIRO - Cachambi não chega a ser um bairro delimitado. Tal como outros sítios do Rio de Janeiro, é uma mistura mais ou menos arbitrária de vários outros bairros.

    O carioca aprecia esta confusão geográfico-urbana: o Flamengo tem bairros dentro dele e pertence a outros bairros, não se sabendo se o Catete é que engloba a Glória e o Flamengo, ou se é o Flamengo que incorpora os dois.

    Havia um botequim, na avenida Bartolomeu Mitre, quase em frente ao Hospital Miguel Couto, que não pagava impostos, não tinha telefone nem gás nem luz elétrica.

    Ele simplesmente não existia. Para o Departamento de Águas e Esgotos, pertencia à Lagoa. Para os Correios e Telégrafos, pertencia ao Leblon. Policialmente, fazia parte da Gávea. Para a companhia de gás, integrava o Jardim Botânico. Para o Tribunal Eleitoral, abrigava cidadãos de Copacabana.

    O tal botequim era intemporal, etéreo e alegórico como os carros monumentais que o finado Joãozinho Trinta fazia para a Escola de Samba Beija Flor do Anísio Abraão David. Mora ali quem gosta e não exatamente quem precisa.

    Não chega a ser um dos rincões malditos, de onde emigram os fracassados, aqueles que acabaram quebrando a cara no vale-tudo das grandes cidades.

    Cachambi é quente como o inferno –se é que o inferno existe e se é quente, como dizem os catecismos. Mas, no caso de Cachambi, é quente como o próprio inferno por uma consequência climática.

    Ali se abriga uma classe média trabalhadora, pacífica, que teme o vento encanado, se emociona com as novelas e acha dona Dilma a salvadora da lavoura –embora seu generoso solo não produza um rabanete.

    No fundo, o suburbano aprecia o calor e considera o frio abominável. Ou fresco, no duplo sentido de refrigerado e efeminado.

    carlos heitor cony

    Escreveu até dezembro de 2017
    carlos heitor cony

    É membro da ABL. Começou sua carreira no jornalismo em 1952 no 'Jornal do Brasil'. É autor de 17 romances e diversas adaptações de clássicos.

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