RIO DE JANEIRO - Depois de ter feito o Sol e a Lua, os mares, os céus, as aves e o homem, o Senhor achou que tinha obrado muito, e obrado bem. Daí se deu (quem mais poderia dar a Ele?) um dia de repouso.
Não estou em concorrência com ninguém, muito menos com Deus, mas, levando em conta minhas potencialidades, sinto que trabalhei mais do que ele. Bem verdade que não cometi a façanha e o exagero de criar Sol e estrelas. E jamais teria criado o homem. Dentro das minhas limitações, o duro que venho dando pela vida afora é desproporcional a minhas forças.
Para não morrer de fome nas sarjetas (profecia de uma cigana que me anunciou péssimo destino), tenho feito o diabo para sobreviver. A profissão é mais complexa do que a do Criador. Sempre pinta algum trabalho. Deus pode descansar realmente. Pensando bem, não havia mais nada a fazer, a não ser deixar que o mundo e suas leis (feitas também por Ele) trabalhassem sozinhos e para nossa desgraça.
No caso do jornalismo, a tarefa nunca está cumprida. No tempo da criação, Deus fez o que quis. Não havia pesquisas de opinião, o que o senhor acha do Sol, dos mares, dos pássaros? Já o jornalista está sempre na corda bamba: qualquer comentário pode dar bode. E sua tarefa nunca acaba. Quando morreu John Kennedy, fiz uma edição extra no jornal em que trabalhava. Foram horas de faina rude.
Quando saíram os primeiros exemplares, ouvi no rádio que tudo estava superado. O assassino fora preso, isso exigiria uma nova edição, e por que mais uma apenas? A notícia quando é verdadeiramente notícia parece que nunca acaba.
Dólar alto, inflação, economia estagnada, Dilma, Eduardo Cunha. Não importam. Assumo nossas desgraças sem ser, eu próprio, um desgraçado: afinal, ainda não morri de fome na sarjeta.
É membro da ABL. Começou sua carreira no jornalismo em 1952 no 'Jornal do Brasil'. É autor de 17 romances e diversas adaptações de clássicos.