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    Carlos Heitor Cony

    Testamento

    14/08/2016 02h00

    National Archique/Divulgação
    Testamento de William Shakespeare. Crédito: National Archique/Divulgação **DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    Imagem do testamento do poeta e dramaturgo inglês William Shakespeare

    RIO DE JANEIRO - O tempo, as injúrias, as porradas dos "mil acidentes da carne" (Shakespeare), me obrigaram a cometer um crime que nunca passara pela minha preocupação: fazer um testamento. Há exemplos notáveis que fazem parte da literatura universal, incluindo o teatro e o cinema. "Gianni Schicchi", episódio de Dante que Puccini musicou, "A Mandrágora", de Maquiavel, a própria Bíblia que narra a compra de uma sucessão por um prato de lentilhas ("Esaú e Jacó").

    Não tenho terras, impérios e direitos herdados, a não ser "a vergonha que é a 'herança' maior que meu pai me deixou" (Lupicinio Rodrigues). Mesmo assim com alguns furos que fazem parte da condição humana.

    Bombardeado por um tombo que recentemente levei na Alemanha, durante a Feira do Livro em Frankfurt, desconfiei que era tempo de cometer mais um crime dos muitos que fazem parte da minha lamentável biografia.

    Perguntaram-me se eu já tinha feito o meu testamento. Uma hipótese igual à pergunta: Por que não me casei com a rainha da Inglaterra? Por que não fui preso pela Operação Lava Jato e por que não abri uma conta na Suíça?

    Não há de ser nada. De qualquer forma, pensei em repetir Rabelais: "Não tenho nada, devo muito, o resto deixo para os pobres". Os pobres são mesmo pobres, apesar de Lula e Dilma Rousseff garantirem que não há mais pobres no Brasil. Se forem esperar uma herança vinda dos céus ou do meu bolso, estão fodidos.

    Pensando bem, o melhor é não fazer testamento nenhum. Ninguém brigará pelos bens que não possuo, a não ser algumas besteiras que escrevi por aí, mas sem valor no mercado.

    Mesmo assim ganhei de um vizinho uma pistola Mauser com a qual ele pretendia se suicidar. Nunca a usei para fim nenhum, nem mesmo para mim. Só a usarei se for obrigado a ser técnico da seleção nacional.

    carlos heitor cony

    Escreveu até dezembro de 2017
    carlos heitor cony

    É membro da ABL. Começou sua carreira no jornalismo em 1952 no 'Jornal do Brasil'. É autor de 17 romances e diversas adaptações de clássicos.

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