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    Carlos Heitor Cony

    O lobo e o cordeiro

    09/07/2017 02h00

    Pedro Ladeira/Folhapress
    Mulheres e familiares de presos aguardam debaixo de chuva para pegar a senha de acesso ao Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília
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    Muita gente não sabe que a literatura começou com as fábulas. O próprio Cristo usou e até abusou ao transmitir seus ensinamentos por meio de parábolas, que, no fundo, são fábulas com ensinamentos ou advertências morais.

    Antes dele, Homero e Vírgílio, em menor escala, também fizeram o mesmo. Fedro, grego, e, mais tarde, La Fontaine, francês, foram mestres em criar fábulas que ainda hoje pertencem às prateleiras mais nobres da literatura universal.

    Uma das mais famosas é a do lobo e o cordeiro. Ambos estavam com sede e foram ao mesmo rio ("Ad rivum eundem"). O lobo estava na parte superior do rio, e o cordeiro, na parte de baixo. Depois de algum tempo, o lobo foi reclamar com o cordeiro que estava sujando a água que bebia.

    O cordeiro respondeu que não podia sujar a água que o lobo bebia. Indignado, o lobo retrucou, dizendo que o pai do cordeiro, tempos atrás, havia sujado a água que era dele. Avançou sobre o cordeiro e devorou-o.

    Essa fábula está sendo repetida nos dias atuais. Um ministro ou outra autoridade qualquer faz uma visita de pêsames à viúva de um tesoureiro qualquer, que era suspeito de ter roubado o dinheiro da nação. Esse simples fato é uma prova de que o visitante era sócio da viúva, que é preso e obrigado a devolver um dinheiro que não roubou.

    Juízes, policiais e a mídia repetem a fábula, tão antiga que se tornou atual. Um funcionário honesto toma um ônibus, onde também viaja um suspeito de ter roubado o erário. É o bastante para ser acusado de ser sócio do ladrão, é condenado e trancafiado na Papuda.

    O suspeito alega inocência, mas a polícia e a Justiça descobrem que o pai dele, 20 anos atrás, foi padrinho de batizado do filho de um ladrão verdadeiro. Do mesmo jeito, vai acabar na Papuda.

    carlos heitor cony

    Escreveu até dezembro de 2017
    carlos heitor cony

    É membro da ABL. Começou sua carreira no jornalismo em 1952 no 'Jornal do Brasil'. É autor de 17 romances e diversas adaptações de clássicos.

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