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    Caro Dinheiro

    O ranço do confisco

    04/09/2014 10h40

    Ano eleitoral é ano de teoria da conspiração para todos os lados. A economia do país é sempre um dos alvos preferidos para boatos negativos e especulações, e o fantasma do confisco da caderneta de poupança, sem dúvida, é um clássico que ressurge a cada quatro anos.

    O grande problema desse tipo de boato é que ele sempre pode ganhar força num cenário como o brasileiro, que já tem histórico de passar por confisco efetivo.

    Para quem não se lembra ou não estava por aqui, em 16 março de 1990 os brasileiros foram surpreendidos pelo confisco das cadernetas de poupança, pouco depois que o ex-presidente da República Fernando Collor de Mello assumiu o poder.

    A equipe econômica da Presidência na época acreditava que, removendo uma parte do dinheiro em circulação no país, poderia controlar a inflação. Com isso, foram confiscados recursos particulares aplicados em cadernetas de poupança e na modalidade overnight, muito popular na época. Nem mesmo o dinheiro das contas-correntes ficou ileso ao confisco do Plano Collor.

    O raciocínio previa forçar as empresas a reduzirem os preços para conseguir dar continuidade à venda de seus produtos e serviços. Se não abaixassem os valores cobrados, os estoques poderiam ficar encalhados.

    Porém, na prática, o plano foi um desastre. O Plano Collor era tão complexo que a própria equipe econômica não conseguia explicar os detalhes e tirar as dúvidas. A população entrou em pânico. As empresas enfrentavam dificuldades, pois não sabiam como fazer para pagar funcionários e fornecedores, já que seus recursos ficaram bloqueados nos bancos.

    Na época, qualquer centavo no banco acima de 50 mil cruzados novos era bloqueado. Todos os bancos cumpriam a determinação do Banco Central. Não é raro ouvirmos relatos de pessoas que entraram na Justiça para reaver o dinheiro "tomado" pelo governo, porém as perdas inflacionárias causaram prejuízos, o que é sempre negado pelos bancos. Foi uma tentativa ineficaz, mas, acima de tudo, antiética de tomar, sem autorização, o dinheiro privado para resolver um problema da nação.

    Hoje não é possível ter certezas logicamente. Não há como jurar de pés juntos que o confisco nunca mais irá acontecer. Também não há como prevê-lo com antecedência, como se pode perceber no caso do governo Collor.

    De qualquer forma, uma das principais lições que o país teve no episódio dos anos 90 foi a de que o governo trabalha a sua política econômica com base na confiança. Quando a população não confia no sistema econômico, nos bancos, no governo, os investimentos travam e a consequências são catastróficas a curto, médio e longo prazo. Tudo o que o país não precisa –e certamente o futuro presidente, seja lá quem for, tem consciência sobre isso, por mais que a inflação exija uma atitude dura daqui para a frente.

    Até hoje há famílias traumatizadas pelo Plano Collor e o inconsciente coletivo, mesmo de quem não foi prejudicado na época, rapidamente recupera a memória do país e pode suspender planos, projetos de vida, empreendimentos, investimentos, negócios.

    Portanto, é na base da confiança que o país deve caminhar. O próximo governo precisa inclusive retomar a confiança do consumidor e do empresário, que estão caindo pelas tabelas.

    A população precisa confiar no seu governo. E seu governo precisa honrar essa confiança. Simples assim.

    caro dinheiro

    Escreveu até novembro de 2015

    por samy dana

    Ph.D em Business, doutorado em administração, mestrado e bacharelado em economia. É professor na Escola de Administração de Empresas de São Paulo da FGV.

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