• Colunistas

    Sunday, 05-May-2024 05:47:19 -03
    Caro Dinheiro

    A tragédia da Cantareira

    21/11/2014 02h00

    A questão da crise hídrica em São Paulo já virou quase discussão sobre religião ou futebol. Alguns culpam o governo, outros culpam o desperdício. Cada um com seu mártir, poucos se dão conta do que realmente acontece dentro das próprias casas e como os nossos hábitos de consumo podem ajudar na reversão desse processo. Quanto seria preciso poupar? Será que a Sabesp é a vilã da história?

    Em economia há um conceito interessante chamado "a tragédia dos comuns" e pode explicar parte do problema. Trata-se de uma situação social em que o conflito entre os interesses individuais acaba levando à superexploração de um recurso de todos.

    Por entender a água como um recurso potencialmente infinito, ainda que na vida real estejamos bem distantes disso, muitos indivíduos passam a usá-la de forma indiscriminada, sem se preocupar com a sua escassez.

    Um exemplo muito comum está nos condomínios nos quais a conta é partilhada entre todos os moradores: pode existir pouca preocupação individual para poupar água, uma vez que o custo é rateado entre todos e ninguém é responsabilizado individualmente caso haja um desperdício

    Com a crise hídrica que afetou o Estado de São Paulo, uma das alternativas encontradas pela Sabesp, portanto, foi bonificar os consumidores que diminuíssem o consumo, com redução no preço da conta que varia de 10% a 30%. O site da empresa afirma que metade dos consumidores reduziu o consumo em pelo menos 20%, e 26% baixaram o consumo, mas em quantidades menores do que as necessárias para bonificação. Os outros 25%, entretanto, aumentaram o consumo de água.

    Ao observar a situação, é natural supor que um ajuste básico seria o preço da água consumida; afinal, quem consome mais de um recurso finito que beneficia a todos deve pagar mais. Esse preço, entretanto, é calculado para todos os usuários do sistema, e não é possível discriminá-lo por usuário.

    E, apesar de parecer que pagamos pouco pela água, como afirmam alguns especialistas, observe que curioso: estabelecimentos comerciais de grande porte na Alemanha, um dos países com a tarifa mais cara da Europa, pagam em media R$ 6,20 por m3. Em São Paulo, esse valor é ainda mais alto, R$ 7,34. Mesmo assim, os consumidores atendidos pela Sabesp consomem em media 161 litros por dia ou 59 m3 por ano, enquanto a ONU recomenda que esse consumo seja de apenas 110 litros por dia, 30% a menos.

    O Sistema Sabesp tem capacidade de distribuição de 16,5 mil litros por segundo, o que significa 520.344.000 m3 por ano. A Cantareira responde por quase metade disso. Como a Grande São Paulo conta com aproximadamente 12 milhões de pessoas, o número do parágrafo anterior significa dizer que são consumidos 708.000.000 m3 por ano, ou 59 m3 por pessoa ao ano, 26,5% a mais do que se produz. Caso fossem consumidos os valores recomendados pela ONU, de 110 litros por dia por pessoa (ou 40 m3 por ano), esse consumo diminuiria para 480.000.000 m3 por ano, sendo compatível com o que se produz, hoje.

    Além disso, aproximadamente 25% da água da Sabesp se perde no trajeto entre represas e residências; a companhia pretende reduzi-lo para 18% até 2020. No Japão, esse número é menos do que a metade, apenas 11%. No entanto, ainda que a Sabesp fosse eficiente como as companhias japonesas, o sistema comportaria um consumo por habitante de apenas 39 m3 por ano por pessoa, próximo aos valores recomendados pela ONU, o que exigiria uma redução no consumo da população de São Paulo de aproximadamente 35%.

    Com o cenário da Sabesp tal qual o conhecemos hoje, porém, seria necessário que reduzíssemos o consumo de água em aproximadamente 40%, chegando a patamares abaixo dos recomendados pela ONU, de apenas 32,5 m3 por ano por pessoa.

    Entre os gregos, existia debate se a tragédia era uma história que tinha um desfecho necessariamente ruim. Resta saber qual deles São Paulo vai viver.

    Post em parceria com Mariana Calabrez, que é economista formada pela FGV-SP e atualmente pesquisa sobre finanças corporativas e comportamentais.

    caro dinheiro

    Escreveu até novembro de 2015

    por samy dana

    Ph.D em Business, doutorado em administração, mestrado e bacharelado em economia. É professor na Escola de Administração de Empresas de São Paulo da FGV.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024