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    Caro Dinheiro

    Multa para crise hídrica pode ser tiro pela culatra

    01/01/2015 02h00

    Na crise hídrica de São Paulo, o governo anunciou, no último dia 22, uma medida para ajudar a conter o gasto de água que entra em vigor hoje (1º): uma "tarifa de contingência" para quem aumentar o consumo de água. Quem consumir até 20% a mais em relação à média do ano passado receberá multa de 20%. Já os que ultrapassarem os 20% pagarão multa de 50%.

    Todos estão preocupados com a falta de água, certo? A ideia da multa faz sentido: a melhor forma de sentir a seriedade da situação é no bolso. No entanto, a medida pode não produzir o resultado esperado.

    A água é um bem comum. No estado de escassez que vivemos, a pessoa que consome a mais está tirando, de certa forma, de um outro. É como aquela colega que resolve trazer biscoitos para todos no escritório: ninguém tem coragem de comer mais do que um ou dois sem correr o risco de deixar alguém sem nenhum docinho.

    No entanto, ao estabelecer uma multa para o consumo excessivo de água o governo introduz uma regra de mercado no que era, antes, uma preocupação social. Se a sua colega decide cobrar R$ 1 pelo biscoito que ela assou, você passa a fazer um cálculo de quantos biscoitos quer e quanto eles valem. A sua preocupação com os demais some: se os biscoitos estão à venda, você pode comprar quantos quiser.

    "Quando o preço não é uma parte da troca, nós nos tornamos menos egoístas e passamos a nos preocupar mais com o bem-estar dos outros", afirma o economista Dan Ariely. "Nós somos animais sociais que se preocupam com os outros, mas quando as regras do jogo envolvem dinheiro, essa tendência some", emenda.

    Ou seja: ao cobrar uma multa de quem gasta água demais, o governo corre um sério risco de levar as pessoas a fazerem um simples cálculo de quanta água querem usar e quanto isso vai pesar no bolso, sem se preocupar tanto com as consequências disso. Afinal, ela estará pagando pelo excesso de água. Como a água não está entre os gastos mais expressivos de uma família, muitos podem aumentar sem pesar tanto no orçamento ou na consciência.

    Ao colocar um preço para o desperdício de água, o governo pode acabar dando um tiro pela culatra: ele deixa para segundo plano a preocupação social de que não pode faltar água e prioriza a lógica de até que ponto o gasto de água vale o preço adicional.

    Post em parceria com Carolina Ruhman Sandler, jornalista e fundadora do site Finanças Femininas

    caro dinheiro

    Escreveu até novembro de 2015

    por samy dana

    Ph.D em Business, doutorado em administração, mestrado e bacharelado em economia. É professor na Escola de Administração de Empresas de São Paulo da FGV.

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