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    Caro Dinheiro

    Nem tudo é aquilo que parece ser

    07/02/2015 02h00

    Faça uma reflexão rápida: você está em um supermercado e precisa escolher um xampu. As duas marcas de sua preferência estão diante de você, duas embalagens com a mesma quantidade, porém uma marca está mais barata que a outra. Quanto tempo você leva para optar por qual xampu vai comprar? Poderíamos dizer que a opção pelo mais barato seria praticamente instantânea, não é mesmo?

    Por outro lado, quando você vai comprar uma televisão e precisa optar entre fazer um parcelamento sem juros, porém curto, e uma outra opção de parcelas mais diluídas, mas com juros de 0,85% ao mês, você vai precisar de algum tempo para refletir e uma calculadora para saber o quanto esses juros a mais vão representar no valor final.

    Os exemplos acima mostram que nosso cérebro utiliza dois tipos de sistemas para interpretar o que acontece à nossa volta: o sistema automático e o oneroso, os quais podemos chamar de sistemas 1 e 2, respectivamente. Em um primeiro momento, pode não parecer, mas a forma como esses dois sistemas interagem em nosso cotidiano é fundamental para as decisões que tomamos, desde as mais banais até as mais importantes.

    As denominações dos sistemas 1 e 2 foram criadas pelo psicólogos Keith Stanovich e Richard West e simplificadamente os termos podem ser descritos assim: o sistema 1 é capaz de agir com rapidez, sem nenhum esforço e quase impulsivamente. Ele age, por exemplo, quando você automaticamente entende o significado de uma palavra em seu idioma de origem em um grande outdoor, quando pensa no resultado de uma conta simples como 1 + 1 ou mesmo quando precisa fazer a escolha entre o xampu mais caro e o mais barato.

    O sistema 2, por sua vez, está ligado às atividades mais complexas e que requerem mais concentração e atenção, como manter seu comportamento sob controle diante de uma situação social, mesmo quando você está irritado e com vontade de gritar ou mesmo fazer de cabeça os cálculos mais complexos como o de definir qual a melhor opção na hora de comprar a televisão.

    Olhando dessa forma, pode parecer simples entender como esses dois sistemas interagem no dia a dia. Mas algumas situações deixam evidente alguns problemas que podem acontecer quando focamos nossa atenção com muita intensidade em uma atividade. Podemos ficar cegos para situações óbvias. Para demonstrar isso, os psicólogos Christopher Chabris e Daniel Simons fizeram uma interessante experiência descrita no livro "O gorila invisível".

    Eles elaboraram um vídeo curto no qual duas equipes de basquete trocam passes, sendo um time com camisetas brancas e o outro com uniformes pretos. Os espectadores são instruídos a contar quantos passes de bola fazem os jogadores do time branco.

    A tarefa exige tamanha atenção que grande parte dos espectadores deixa de notar um fato inusitado: uma pessoa vestida de gorila atravessa a imagem e bate no peito. A aparição do gorila dura alguns segundos, mas passa despercebida por grande parte dos espectadores, tendo em vista a atenção totalmente voltada para outra tarefa.

    Essa inaptidão para notar coisas que parecem óbvias demonstra as limitações de nossa capacidade de concentração. Assista abaixo a um experimento semelhante:

    Veja vídeo

    Isso pode explicar, por exemplo, o fato de você não conseguir fazer um cálculo complicado de cabeça (como a multiplicação 23 x 76) ao mesmo tempo em que faz uma curva perigosa na estrada. Ou mesmo como detalhes importantes de um contrato com o banco podem passar despercebidos por seus olhos se forem estrategicamente colocados em itens que escaparão de seu foco de atenção.

    Assim como o excesso de atenção voltado para um foco específico pode deixar "cego" para outros aspectos, as impressões recebidas pelo sistema 1 em determinadas situações podem não ser tão confiáveis e dependem da interferência do sistema 2.

    Quando você dirige durante uma forte chuva e precisa atravessar um trecho parcialmente alagado, o primeiro impulso é frear e evitar a água, mas você controla esse estímulo inicial e mantém a aceleração para evitar a entrada de água no motor do carro, da forma como foi ensinado na autoescola.

    Uma promoção "pague 2, leve 3" com preços maquiados pode enganar se você deixar-se levar somente pelo apelo da propaganda e não usar o sistema 2 para calcular o valor do produto individualmente. Agora que já sabe como funciona a sua mente na hora de interpretar o mundo ao seu redor, você já é capaz de entender quando o sistema 1 não é confiável e os momentos certos para deixar que o sistema 2 tome o controle da situação.

    Post em parceria com Karina Alves, jornalista e editora do site Finanças Femininas.

    caro dinheiro

    Escreveu até novembro de 2015

    por samy dana

    Ph.D em Business, doutorado em administração, mestrado e bacharelado em economia. É professor na Escola de Administração de Empresas de São Paulo da FGV.

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