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    Caro Dinheiro

    Você pagaria R$ 70 por uma ópera renomada ou show de um anônimo?

    06/06/2015 02h00

    O que lhe parece mais agradável: gastar R$ 70 em um ingresso para ir à uma ópera muito famosa ou o mesmo valor para acompanhar o show de um cantor que desconhece? Você não precisará de muito esforço para escolher a primeira opção, correto? Mas e se, em seguida, nós lhe disséssemos que a ópera tem duração de 16 horas e o show do cantor desconhecido apenas uma hora e meia?

    Por mais que a ópera seja uma obra prima, não há quem tenha a paciência de passar tanto tempo prestando atenção e aproveitando plenamente o espetáculo. Além disso, o cantor pode ser muito talentoso e te surpreender. Mas você consegue entender porque a tomada de decisão lhe pareceu tão óbvia e fácil inicialmente? No ramo da psicologia cognitiva isso é conhecido como "efeito de enquadramento".

    Seu impulso em escolher a Ópera - sem questionamentos ou avaliação extra sobre o contexto - segue uma tendência de nossa mente em tomar decisões precipitadas. O psicólogo e especialista em economia comportamental, Daniel Kahneman, usa uma expressão muito simples para explicar isso: "what you see is all there is" (em tradução literal, "o que você vê é tudo que há"). 

    Em seu livro "Rápido e Devagar - Duas Formas de Pensar", ele mostra que a forma como enxergamos o mundo se divide entre dois tipos de raciocínio: o automático, responsável por captar nossas primeiras impressões sobre tudo que nos cerca, e o oneroso, que formula as informações que temos com mais profundidade. Para o nosso sistema automático, basta encontrar coerência entre duas informações para uma conclusão ser tomada, ele não necessita de contexto para funcionar. Se nosso sistema oneroso não entra em ação, nós logo tiramos uma conclusão precipitada. 

    Isso pode até parecer irrelevante para você, se o que estiver em jogo for apenas o exemplo da escolha entre Ópera e o show de um anônimo. Mas tudo isso muda de figura quando o exemplo passa a ser aplicado a decisões financeiras mais profundas. E, pode acreditar, você vai encontrar muitas situações de enquadramento em seu cotidiano. 

    Por exemplo, apresentar uma negociação a alguém dizendo que ela vai lucrar 40% em cima dos valores de venda é mais favorável do que dizer que 60% dos valores vendidos serão descontados. No mesmo sentido, se você for adepto a alimentação completamente saudável, estará mais propenso a comprar um produto que traga na embalagem a informação de que é 80% livre de gordura trans do que outro com a informação de que tem 20% de gordura trans em sua composição. Nos dois exemplos, estamos falando de uma só negociação e um só produto, somente vistos por óticas diferentes. 

    Pense em quantas vezes isso já lhe aconteceu recentemente. Uma passagem área em "promoção", mas sem a taxa de embarque abusiva no enquadramento do anúncio. Uma assinatura de TV a cabo "baratíssima", mas que não trazia em letras garrafais a informação de que o valor sugerido só seria válido por dois meses.

    O sistema automático se baseia em informações restritas. Então, se você não deseja que suas decisões sejam igualmente limitadas, é melhor dar mais atenção àquele conselho de pensar duas vezes antes de julgar o que é bom ou ruim para você.

    p(tagline)Post em parceria com Karina Alves, editora do site Finanças Femininas

    caro dinheiro

    Escreveu até novembro de 2015

    por samy dana

    Ph.D em Business, doutorado em administração, mestrado e bacharelado em economia. É professor na Escola de Administração de Empresas de São Paulo da FGV.

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