• Colunistas

    Thursday, 02-May-2024 05:40:23 -03
    Celso Rocha de Barros

    Os manifestos

    28/09/2015 02h00

    Alguém já deve ter notado a ironia de que, enquanto os economistas ortodoxos da oposição escrevem manifesto após manifesto, discute-se a possibilidade do heterodoxo senador José Serra (PSDB-SP) ser ministro da Fazenda em um eventual governo do vice-presidente Michel Temer (PMDB). Parece haver um descompasso entre o movimento político pelo impeachment e as análises econômicas oposicionistas.

    Esta coluna propõe que a conjunção desses dois fatos ensina algo sobre a economia política brasileira. Veja aí o leitor se concorda.

    Não é raro que períodos de crise política sejam intelectualmente férteis, e os novos manifestos liberais ocupam lugar de destaque na discussão brasileira em 2015.

    Os manifestantes (posto que autores de manifestos) são economistas como Samuel Pessôa, Mansueto Almeida, Sérgio Lazzarini e Armínio Fraga, a tropa de elite do pensamento oposicionista. Seria de se supor, portanto, que refletissem a visão do pessoal que quer derrubar a presidente Dilma Rousseff.

    Por que, então, um governo pós-impeachment escolheria um ministro da Fazenda do outro lado do debate econômico?

    Muitas das propostas dos manifestantes são boas. Pena que tenhamos que discuti-las em meio à crise política que torna os compromissos mais difíceis e reduz a confiança necessária aos acordos.

    Por exemplo, é razoável estabelecer uma idade mínima para que as pessoas possam se aposentar. Não se trata de questionar a moralidade daqueles que se aposentam cedo, mas a conveniência de pagar por isso enquanto falta saneamento básico.

    Mas as propostas dos manifestantes têm seus riscos, e eles não são distribuídos de uma maneira igualitária. Uma economia mais produtiva, por exemplo, recompensaria mais o capital humano. No Brasil, o capital humano (assim como os outros) é muito mal distribuído. Como evitar, portanto, que um Brasil mais moderno seja ainda mais desigual?

    Os manifestantes oferecem muito pouco como resposta, e esse silêncio deixa o campo aberto para uma futura "novíssima matriz econômica".

    Os políticos (felizmente) necessitam dos votos dos pobres. Os pobres não apoiam as reformas liberais porque, dada nossa desigualdade social, temem ter de arcar com muito dos seus riscos e usufruir pouco dos seus benefícios.

    Os manifestantes não parecem ter um plano para diminuir rapidamente a desigualdade social. O que sobra para os políticos?

    Sobra inventar um crescimento qualquer que seja rápido e grande o suficiente para que até mesmo os pobres possam ganhar alguma coisa com ele.

    Se houver alguma heterodoxia que funcione nessa hora, ótimo. Mas, mesmo se não houver, os incentivos políticos são para favorecer qualquer crescimento, mesmo que este seja insustentável, inflacionário, poluidor, gerador de Godzillas, o que for.

    Isto é, ao silenciar sobre a desigualdade, os economistas liberais brasileiros já mandam o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega —substituído por Dilma pelo atual titular da pasta, Joaquim Levy— para o aquecimento. Ou, no caso de um hipotético futuro governo com urgente necessidade de legitimação, o tucano José Serra.

    O sociólogo Celso Rocha de Barros, 42, passa a escrever às segundas-feiras.

    celso rocha de barros

    É doutor em sociologia pela Universidade de Oxford, com tese sobre as desigualdades sociais após o colapso de regimes socialistas no Leste Europeu. Escreve às segundas.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024