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    Celso Rocha de Barros

    O impeachment e a economia

    08/02/2016 02h00

    O colunista Merval Pereira, de "O Globo" e da CBN, citou em uma coluna recente um estudo feito pelo economista Reinaldo Gonçalves que teria demonstrado, por meio de um estudo comparativo de vários países latino-americanos, que processos de impeachment costumam ter efeitos positivos para a economia (um "bônus do impedimento") em um período de dois a quatro anos após a interrupção do mandato.

    Tendo lido o trabalho, meu conselho ao leitor é: forme sua opinião sobre o impeachment sem consultá-lo. Ele tem problemas que exigem uma revisão, só alguns dos quais serão discutidos abaixo.

    Interrupções de mandato são mais frequentes durante crises econômicas. Segundo o próprio trabalho de Gonçalves, a inflação média no período da interrupção de mandato em sua amostra é 523,3%. Isto é, o ponto de partida da comparação de Gonçalves é bem baixo.

    Mas crises e ajustes econômicos não são eternos. Não é muito surpreendente que as coisas melhorem quatro anos depois de uma crise. E alguns governos caem durante ajustes impopulares que geram efeitos positivos no futuro. Na crise atual, as projeções da maioria dos analistas sugerem que daqui a quatro anos estaremos mesmo melhor do que em 2015, com ou sem impeachment. Istso é, Gonçalves submeteu sua hipótese a um teste fácil demais.

    O surpreendente é que, mesmo nesse teste muito fácil, seus resultados não são tão impressionantes. Após períodos de dois anos, as coisas só melhoram em 55% dos casos de interrupção de mandato (fl. 19). Passados quatro anos, período em que inúmeras outras coisas além da interrupção do mandato certamente aconteceram, o número chega a 59% (idem). Resultados semelhantes são obtidos comparando o desempenho pós-impeachment com a média histórica, e resultados bem mais fracos na comparação com as medianas.

    Além disso, é importante ressaltar que Gonçalves não inclui em sua análise países em que crises políticas foram resolvidas sem impeachment. Isto é, não sabemos se, nesses países, o desempenho macroeconômico foi melhor, igual ou pior do que nos países em que houve impeachment. Se o "Fora FHC" tivesse prosperado, é possível que tivéssemos superado a crise de 1999 em menos que quatro anos. E foi isso mesmo que aconteceu com FHC terminando seu mandato.

    E nenhum outro fator além da interrupção é testado como explicação para os resultados encontrados. Por exemplo, o Brasil depois do impeachment de Collor teve uma significativa melhora econômica graças ao Plano Real. Outros países da região tiveram planos com resultados semelhantes, sem passar por interrupções de mandato. É razoável supor que foi o Plano Real, não o impeachment, que melhorou a economia.

    Mas digamos que você não goste de nada nessa discussão, porque isso tudo parece formal demais e você prefere análises históricas. Bom, aí é que você não vai gostar do trabalho de Gonçalves mesmo. Não há nenhuma consideração do contexto histórico de nenhum dos casos de interrupção do mandato.

    Enfim, talvez um dia alguém demonstre que os processos de impeachment, em circunstâncias específicas, são bons para a economia. Mas não foi hoje. Se tiverem vontade de bater em alguma coisa por causa da Dilma, batam nas panelas, não nos dados.

    celso rocha de barros

    É doutor em sociologia pela Universidade de Oxford, com tese sobre as desigualdades sociais após o colapso de regimes socialistas no Leste Europeu. Escreve às segundas.

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