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    Celso Rocha de Barros

    A última chance de perder

    11/04/2016 02h00

    Se o impeachment for derrotado, o PT terá desperdiçado sua última chance de perder a eleição de 2014. O novo governo precisará tomar decisões difíceis. É preciso que a esquerda entenda que a batalha do próximo fim de semana será sobre quem as tomará.

    Torço para que o impeachment seja rejeitado. Mas é importante saber o que se está defendendo. O mandato sobrevivente, faça o que fizer além disso, precisará fazer um ajuste fiscal sério. E precisará deixar a Lava Jato continuar seu trabalho.

    Há rumores de que uma nova Carta ao Povo Brasileiro esteja em processo de redação. Só faz sentido se forem Lula e PT aceitando que algum tipo de ajuste fiscal precisa ser feito. Podem embrulhar o ajuste em um pacote com coisas mais palatáveis, e, se conseguirem fazê-lo sem prejudicar demais as contas públicas, será ótimo. Mas o ponto de partida tem que ser o que Nelson Barbosa vem propondo. Se não for assim, o novo "WhatsApp ao povo brasileiro" não conseguirá nem aquele segundo traço do lado indicando que a mensagem foi lida.

    Se o PT quer salvar o mandato de Dilma para continuar se opondo ao ajuste como estava fazendo no começo do ano, que não o salve. Vá para a oposição com o PSOL, retire-se, reorganize-se. Não é o que quero que aconteça: quero que Dilma mantenha seu mandato e faça o ajuste.

    É claro, minha crítica não vale para a oposição de esquerda que se juntou à luta contra o impedimento. Essa turma não tem cargos no governo, e pode continuar se opondo ao que quiser. O PT tem muitos cargos no governo. Se o partido quiser se opor às medidas de Barbosa, que os entregue, como o PMDB fez. Ou disse que ia fazer. Enfim, vocês entenderam.

    Também é óbvio que ninguém precisa parar de brigar por justiça tributária ou reforma agrária, por bandeiras LGBT ou pela preservação ambiental, e propostas nessas áreas que não destruam o orçamento serão bem-vindas (como já deveriam ter sido antes). Mas se tivermos uma nova carta ao povo brasileiro ela precisa começar com uma adaptação da carta de Temer: "Verba acabouns".

    Além disso, se você se opõe ao impeachment na esperança de parar a Lava Jato, não se iluda: será muito mais fácil fugir no governo Temer. Não vão deixar o PT fazer tudo o que o PMDB fará. Tenho certeza de que os corruptos de direita aceitarão petistas em um eventual acordão pós-impeachment. Se você é um petista querendo fugir da cadeia, meu conselho é trair o PT e se acertar com o outro lado. Até porque, se essa for sua situação, você já deve ter feito coisa pior.

    Em 2002, a Carta ao Povo Brasileiro não tinha como objetivo só tranquilizar o mercado. Era também um aviso à militância: governaremos conversando com o outro lado. É justo que se diga a mesma coisa agora, quando os militantes de esquerda novamente mostram que são melhores que seus dirigentes. O primeiro mandato de Lula tinha, entre outras missões, a de mostrar que a esquerda podia governar responsavelmente. O segundo governo Dilma tem exatamente a mesma tarefa. No longo prazo, isso é fundamental para todos os outros objetivos dos progressistas.

    O mais provável é que o impeachment passe. Se a sorte der a vitória ao PT, que ela não seja desperdiçada com aventuras. A deusa Fortuna é mulher, e adora derrubar marmanjo marrento.

    celso rocha de barros

    É doutor em sociologia pela Universidade de Oxford, com tese sobre as desigualdades sociais após o colapso de regimes socialistas no Leste Europeu. Escreve às segundas.

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