Cada um tem sua lista de coisas difíceis de perdoar na história do PSDB. Mas, ao menos na minha, não entram as dúvidas atuais dos tucanos sobre entrar ou não no governo Temer.
Se Temer for um sucesso, o PMDB pode substituir o PSDB na liderança da centro-direita brasileira. Não há nada que obrigue DEM, PPS e Solidariedade, ou os amplos setores da elite econômica fiéis até agora aos tucanos, a apoiarem um partido liderado por um sociólogo da USP. O PSDB cresceu quando venceu, e quem vencer em seu lugar passará a ter grandes chances de substituí-lo.
Por outro lado, se Temer for um fracasso, arrastará consigo quem tiver apoiado o impeachment. E o PSDB sabe o quão difícil é ser governo no Brasil atual. Perguntem a Dilma Rousseff.
Nenhum governo no Brasil atual estaria 100% a salvo da Lava Jato, e, se você tivesse que listar os governos possíveis do mais para o menos seguro, dificilmente começaria pelo do PMDB. E o PSDB sabe melhor do que ninguém a diferença que fez para o governo Itamar ter um Plano Real, o que Temer não tem. Se o governo Itamar tivesse sido inteiro tão ruim quanto foi até FHC assumir a Fazenda, Lula teria sido eleito em 1994 no primeiro turno.
Na verdade, o impasse atual é parte de uma crise de liderança da direita brasileira que começou depois da eleição de 2014. Ela foi ofuscada pela crise do PT, mas é ao menos tão importante quanto ela para explicar o que está acontecendo.
Após a quarta derrota presidencial seguida, o PSDB não conseguiu mais controlar os partidos e grupos sociais que liderou desde 1994. Todos eles aderiram ao impeachment mais rápido que os tucanos, que provavelmente preferiam deixar Dilma sangrar até 2018.
Para DEM, PPS ou Solidariedade, tanto fazia ser coadjuvante de Aécio ou de Temer, e Temer viria mais cedo. Vale lembrar que os tucanos foram vaiados na passeata da Paulista, mas Caiado não foi. A mobilização das ruas fortaleceu quem, como o DEM, tinha um discurso direitista com mais chance de inflamar a militância pró-impeachment.
A luta pelo impeachment também favoreceu quem era mais próximo do Centrão, fundamental para derrubar Dilma no Congresso. Era o caso do Solidariedade, cujo líder elogia tanto Eduardo Cunha que até o pobre Eduardo deve achar meio demais.
Os coadjuvantes DEM, Solidariedade e PPS conseguiram seu impeachment, e devem conseguir seus cargos. Mas, depois de terem se revoltado contra seus líderes tucanos, os direitistas da Série B agora pedem que o PSDB lhes forneça novamente os quadros e a respeitabilidade pública que forneceu por vinte anos. O PSDB reuniu esses quadros porque era um partido com perspectiva de liderar governos. Não podia se envolver com Cunha, como o Solidariedade, ou radicalizar o discurso, como o DEM, porque jogava o jogo majoritário.
Na hora de governar, chamam de novo o partido de quadros. Mas agora os antigos coadjuvantes não aceitam ceder a cabeça de chapa, como o PFL aceitou em 1994. Agora o PSDB teria que disputar cargos com Paulinho da Força em um governo Temer. Perdoem a turma de FHC por sua falta de entusiasmo.
Enfim, a única certeza é que em alguns meses os novos governantes compreenderão porque o PSDB teve dúvidas sobre a conveniência de virar governo em uma hora dessas. Quem não teve dúvidas foi quem não estava acostumado a se pensar como presidente.
É doutor em sociologia pela Universidade de Oxford, com tese sobre as desigualdades sociais após o colapso de regimes socialistas no Leste Europeu. Escreve às segundas.