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    Celso Rocha de Barros

    Também Não é Golpe

    02/05/2016 02h00

    Acho que não fui o único que achou que estava bêbado quando leu "Michel Temer protesta contra tentativa de golpe". Eu também não quero ser presidente do Brasil no meio dessa crise, acho incompreensível que tenha gente brigando para ser, mas, Michel, se era para aderir ao movimento contra o impeachment, não chegasse tão atrasado.

    Acabou que não era isso. Temer está acusando de golpistas quem, como Marina Silva e a maioria dos entrevistados nas pesquisas de opinião, defende a convocação de novas eleições. Golpe é sempre o dos outros, ao que parece, e a preferência de 60% dos eleitores às vezes é importante, às vezes não.

    Imagino inclusive que a acusação se dirija a este jornal, que defendeu em editorial a renúncia conjunta de Dilma e Temer. A renúncia também ensejaria um novo pleito presidencial. Ou seja, Temer não só aderiu ao #NãoVaiTerGolpe como também ao #ForaImprensaGolpista. Se abandonar o programa "Uma Ponte para o Futuro" e passar a criticar o FMI, não vai ter jeito, o PT terá de filiá-lo.

    Não acho que o impeachment tenha sido golpe. Os procedimentos legais foram seguidos, mesmo que, na minha opinião, tenham produzido a decisão errada. Mas os mecanismos não foram subvertidos. Se um juiz produz uma decisão errada, o sistema falhou, mas não foi destruído.

    Sim, Gilmar Mendes pode bagunçar o argumento do parágrafo anterior quando (e não se) aliviar para Temer no TSE. Sim, vou ficar com cara de palhaço quando (e não se) isso acontecer.

    Admito que há uma zona cinzenta de graus de legitimidade entre o golpe e o impeachment "puro", e "puro" não é a primeira palavra que me vem à cabeça quando penso no último 17 de abril. O processo começou no dia em que o PT se recusou a aliviar para Cunha, e foi decidido no leilão do PP. E tem gente que acha estranho que a imprensa internacional não o trate como a Primavera de Praga.

    Mas tenho alta tolerância à realpolitik. Só não tatuo realpolitik porque tenho medo de soletrar errado para o tatuador. Acho que o impeachment foi uma manobra conduzida por Eduardo Cunha com objetivos políticos muito evidentes. Mas, sinceramente, acho que é do jogo. É um esporte de contato. Enquanto as autoridades não tiverem coragem de prender Cunha, ele continuará jogando. Por isso você precisa caprichar na política econômica e nas alianças: para que seu mandato não dependa do apreço de Eduardo Cunha pelo jogo limpo. E para poder, se for necessário, derrubar Eduardo Cunha.

    Da mesma forma, a bandeira de novas eleições tampouco subverte a ordem constitucional, e, meu Deus, como é constrangedor ter que explicar isso. A renúncia dupla obviamente não é contra a lei. Novas eleições gerais exigiriam Emenda Constitucional, mas propor emendas constitucionais tampouco é crime. Quem diz que novas eleições é golpe é quem ainda não se conformou de ter se tornado, de um dia para o outro, o lado que está contra a opinião pública.

    A proposta de novas eleições esbarra em inúmeras dificuldades práticas e políticas. O sistema político já está se reacomodando sob Temer. A proposta só teria chance de prosperar em caso de enorme mobilização popular. E, sim, beneficiaria Marina Silva. É do jogo.

    E não é golpe. Acreditem em mim, quando for golpe vocês vão saber.

    celso rocha de barros

    É doutor em sociologia pela Universidade de Oxford, com tese sobre as desigualdades sociais após o colapso de regimes socialistas no Leste Europeu. Escreve às segundas.

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