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    Celso Rocha de Barros

    Ponte e Travessia

    09/05/2016 02h00

    FAZ alguns meses, o PMDB anunciou que publicaria um documento sobre políticas sociais, "A Travessia Social". A ideia era complementar o manifesto de 2015 "Uma Ponte para o Futuro", que marcou a conversão do PMDB ao liberalismo econômico. A revista "Veja" divulgou o que parece ser a versão de trabalho do texto.

    Travessia não é um documento forte como Ponte. O manifesto de 2015 foi a forma de Temer dizer à elite econômica que, em caso de impeachment, seu governo seria amigável ao mercado. Travessia não é um gesto equivalente para os pobres. É uma promessa bem menos ambiciosa.

    Ponte propunha desvinculação das verbas de saúde e educação. Digamos que todos os ganhos de eficiência propostos em Travessia sejam plenamente realizados. O quanto o ganho de eficiência compensará o corte de verbas? Não há como responder isso com certeza o suficiente para que Travessia desperte em Itaquera o entusiasmo que Ponte despertou nos Jardins. Se o PMDB tivesse essa expectativa, teria publicado Travessia antes da votação do impeachment.

    Mas isso não quer dizer que seja um documento ruim, de jeito nenhum. É, sim, vago demais em detalhes fundamentais sobre implementação e escala de cada proposta.

    O primeiro alívio que se sente lendo Travessia é que é evidentemente escrito por um adulto, o primeiro no Brasil em meses. O texto do PMDB reconhece, por exemplo, os méritos dos programas sociais do PT, inclusive dos que pretende reformar. As propostas de aperfeiçoamento dos programas petistas, aliás, parecem razoáveis, da focalização do Minha Casa, Minha Vida à ideia de um cartão-qualificação distribuído como parte do Pronatec.

    O programa também dá ênfase à necessidade de medir resultados das políticas públicas e remunerar segundo desempenho. É difícil discordar disso em princípio, mas esse é um assunto em que detalhes são tudo. Remunerar por desempenho parece ótimo, mas como vai ser medido o desempenho? "Fazer bons diagnósticos médicos" é algo mais difícil de medir do que parece.

    Há sempre o risco de se ater ao que é fácil de medir mas não quer dizer muita coisa, como o louco da piada procurando as chaves de casa perto do poste de luz porque o lugar onde as perdeu é muito escuro. Julguemos a proposta quando ela for melhor detalhada.

    Travessia também propõe parcerias público-privadas na área social. Em princípio, nada contra –o ProUni do PT é um exemplo de parceria bem-sucedida. Não há dúvida de que o ProUni dá uma educação universitária melhor do que seus beneficiários teriam sem ele (isto é, nenhuma). Mas não conheço estudos que tenham encontrado vantagens (ou desvantagens) muito grandes, por exemplo, para esquemas de vouchers escolares, quando já existe uma rede pública universal. Nada contra tentar em pequena escala e ver se funciona. Para mais que isso, quero mais detalhes.

    Enfim, é provável que Travessia seja o melhor que poderíamos esperar. Aumentar a eficiência do gasto público sempre é importante. É ainda mais importante quando o dinheiro acaba. Travessia é pouco, mas é a melhor coisa que o PMDB produziu até agora. Comparado aos nomes cogitados para o ministério de Temer, Travessia é a Magna Carta.

    E esperar que algo fosse financiado com imposto sobre os patos teria sido esperar demais.

    celso rocha de barros

    É doutor em sociologia pela Universidade de Oxford, com tese sobre as desigualdades sociais após o colapso de regimes socialistas no Leste Europeu. Escreve às segundas.

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