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    Celso Rocha de Barros

    A autocrítica do PT

    23/05/2016 02h00

    O documento "Resolução de Conjuntura - Maio de 2016" do Partido dos Trabalhadores, publicado na última terça (17), trouxe um esboço de autocrítica dos erros cometidos pelo partido em seus 13 anos de governo. Embora a tônica do documento seja a reafirmação da tese do golpe de Estado, o partido reconhece que a queda de Dilma foi facilitada pelos "erros cometidos por nosso partido e nossos governos".

    O esforço é bem-vindo. Mas, se elaborarmos uma escala de autocrítica em que zero é "Ler a carta da dona Lúcia depois do 7 a 1" e dez é "autoimolação", o recente esforço petista merece no máximo um 3.

    A timidez e a brevidade dos trechos de autocrítica são evidentes, mas o mais interessante do documento é observar para quem o PT está pedindo desculpas. É uma penitência diante da esquerda, que vem em um momento em que o partido perde militantes para outras forças progressistas e tenta reconquistar os movimentos sociais.

    Esse foco na reconquista da esquerda é menos evidente porque, em alguns dos temas, sua crítica ao PT mais ou menos coincide com o que acha o público em geral. Há várias coisas em que o PSOL e o eleitor médio concordam.

    É o caso da corrupção. É fácil para a esquerda criticar que empreiteiras controlem o Estado e que as campanhas sejam compradas pelos doadores. Os esquerdistas criticam isso tudo desde muito antes de chegar ao poder. O PT escora sua autocrítica em uma crítica ao sistema deste tipo: seu erro foi ter sido "contaminado pelo financiamento empresarial de campanha" e aderido a "práticas de partidos políticos tradicionais".

    A crítica ao "Bolsa-Empresário" também é fácil de fazer pela esquerda, que, em geral, não acha bom que o governo dê dinheiro aos ricos. Aqui, pelo menos, saímos da fase da negação. Já se admite que os "fortes incentivos ao investimento privado" (os subsídios e desonerações do primeiro mandato Dilma) deram errado.

    Mas é na hora de apontar soluções que a autocrítica petista deixa claro para que lado o PT virou seu palanque no curto prazo. A autocrítica é uma homenagem ao programa de esquerda tradicional, na política e na economia. Daí saem boas ideias, como a disputa por progressividade tributária e a reaproximação com os movimentos sociais. Mas, ao invés da "Bolsa-Empresário", defende-se um intervencionismo estatal muito mais direto, e, ao invés das conciliações lubrificadas por corrupção, um enfrentamento que várias vezes flerta com o bolivarianismo. Embora a experiência petista de poder tenha sido em tudo superior à bolivariana, aqui está o PT pedindo desculpas a fracassos muito piores que os seus.

    Enfim, a autocrítica pela esquerda é legítima e positiva, mas dificulta que o PT reconheça os erros que cometeu não por heresia, mas por dogmatismo. Não há nenhum esforço de enfrentar os temas difíceis para a esquerda.

    Nada do que deu errado por estatismo, excesso de gastos ou tolerância à inflação é discutido a sério. A experiência petista não é vista como oportunidade para repensar a tradição progressista latino-americana.

    Talvez esta seja a autocrítica que o PT sente que precisa fazer agora, mas ainda não é a que o povo brasileiro sente que merece ouvir do Partido dos Trabalhadores.

    celso rocha de barros

    É doutor em sociologia pela Universidade de Oxford, com tese sobre as desigualdades sociais após o colapso de regimes socialistas no Leste Europeu. Escreve às segundas.

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