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    Celso Rocha de Barros

    Jucá entregou o jogo

    30/05/2016 02h00

    Romero Jucá foi pego dizendo que era preciso derrubar Dilma para parar a Lava Jato. Na mesma conversa, declarou que o esquema envolveria ministros do Supremo, militares, o PSDB, o próprio Lula, enfim, todo mundo. Foi como se as colunas dos analistas céticos sobre o impeachment tivessem sido adaptadas para o cinema.

    Os áudios divulgados na semana passada mostraram que, para boa parte da classe política, o impeachment foi uma estratégia de fuga.

    Vale lembrar, Jucá não foi pego roubando ou fazendo as picaretagens que estamos acostumados a ver políticos fazendo. Jucá foi pego planejando derrubar a presidente da república para ajudar gente a fugir da cadeia.

    E Jucá não é qualquer um. Foi escolhido por Michel Temer para presidir o PMDB durante a negociação do impeachment. Quantas vezes terá usado o argumento que ouvimos no áudio vazado para fazê-lo?
    odebrecht

    É evidente que o impeachment não se explica apenas pelo interesse dos políticos em fazer um acordão. Dilma Rousseff adiou um ajuste econômico necessário até depois da eleição de 2014, O ajuste, especialmente impopular depois da campanha eleitoral picareta, ocorreu no momento em que as condições econômicas internacionais pioravam para o Brasil e a Lava Jato ganhava ritmo. Bastante perfeita, a tempestade.

    Mas o movimento pelo acordão ajuda a explicar a debandada de políticos tradicionais que se converteram à causa do impeachment, mesmo depois de já terem recebido inúmeras concessões do já fragilíssimo governo petista. Em especial, ajuda a entender porque a ala mais enrolada do PMDB foi tão enfática durante o processo todo. O impeachment dificilmente teria acontecido sem eles.

    Claro, o fato de que o impeachmment foi feito por picaretas não absolve um só petista acusado na Lava Jato. Mas a cada áudio vazado fica mais difícil ver a guerra do impeachment como uma guerra entre honestos e ladrões.

    E isso é ótimo. Quanto mais cedo ficar claro que ninguém nessa briga tem direito a contar muita vantagem sobre honestidade, mais cedo nos livraremos da enorme dose de papo furado que foi a discussão brasileira em 2015-2016. Então finalmente poderemos discutir os problemas de nosso sistema político e de nossa sociedade que nos trouxeram até onde estamos. De preferência sem uma nova dose de papo furado sobre refundar, reinventar, ou re-o que for. Ajustes são necessários, vamos discutir como implementá-los.

    Enfim, é bom saber que as autoridades estão alertas para o risco de um acordão. Mas a gravação de Jucá mostra o risco de outra manobra que, se bem-sucedida, pode ter o mesmo efeito do acordão.

    O trecho mais importante do áudio de Jucá foi sua declaração de que as delações das empreiteiras seriam "seletivas". A maneira mais fácil de conter o impacto da Lava Jato é convencer os empreiteiros a só delatarem quem já estiver enrolado, de preferência os ligados ao governo que caiu.

    Os políticos pegos nas gravações de Sérgio Machado sabem mais sobre os bastidores da política brasileira do que qualquer analista. Eles acham que, se a Odebrecht disser tudo que sabe, derrubará muita, muita gente. Portanto, uma delação da Odebrecht que só entregue gente já enrolada será sinal claro de que uma operação de contenção de danos foi bem-sucedida.

    celso rocha de barros

    É doutor em sociologia pela Universidade de Oxford, com tese sobre as desigualdades sociais após o colapso de regimes socialistas no Leste Europeu. Escreve às segundas.

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