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    Celso Rocha de Barros

    Por que o Brasil parou?

    20/06/2016 02h00

    Atenção para o alarme de "livraço": acaba de sair "A Crise de Crescimento do Brasil", coletânea organizada pelo pessoal do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV-Rio sobre as razões da desaceleração econômica brasileira nos últimos anos. É muito bom.
    Entre as muitas coisas interessantes do livro, destaco a discussão extremamente faixa preta sobre o quanto da desaceleração recente se deve às barbeiragens da Nova Matriz Econômica.

    No texto mais contra-intuitivo da coletânea, Bráulio Borges questiona várias das premissas do consenso econômico atual. Começa por lembrar que, a partir de revisões recentes da metodologia de cálculo do PIB pelo IBGE, o desempenho brasileiro não foi tão fraco como se pensava. Pela antiga metodologia, o crescimento entre 2011 e 2015 foi, em média, pouco menos que 2% ao ano. Pela nova metodologia, temos quase 3% ao ano. Mesmo assim, a desaceleração do crescimento brasileiro no período foi cerca de duas vezes a verificada nos demais países do mundo.

    Entretanto, se, ao invés de começarmos a comparação em 2011 (primeiro ano do mandato de Dilma), começarmos em 2009 (ano em que a política econômica de Lula foi alterada para combater a crise de 2008), o desempenho brasileiro é mais ou menos igual ao do restante do mundo. O Brasil teve um desempenho muito melhor do que o dos outros países no auge da crise e reverteu a média nos anos seguintes.

    Em seu comentário ao texto de Borges, Samuel Pessôa (colunista desta Folha) não faz restrições ao uso das estimativas revisadas, nem à escolha dos anos para a comparação. Mas chama atenção para vários aspectos importantes, entre os quais destaco dois: em primeiro lugar, mesmo na conta de Borges, a produtividade do trabalho brasileira passa a crescer muito mais devagar no governo Dilma do que antes e o PIB potencial brasileiro cai significativamente. Mesmo que a Nova Matriz Econômica não explique toda a desaceleração recente, ela foi um notável fracasso.

    Além disso, Pessôa chama atenção, com argumentos plausíveis, para os efeitos de longo prazo da Nova Matriz, que ainda não foram totalmente sentidos. Os dois debatedores, a propósito, são críticos da política fiscal de Dilma 1.

    Vale a pena ler esse debate à luz do primeiro texto do livro, em que a professora Silvia Matos discute o efeito da crise externa utilizando um modelo que usa tanto variáveis econômicas tradicionais quanto um índice que agrega a opinião de especialistas sobre o estado da economia. O resultado é o seguinte: cerca de 30% da desaceleração brasileira seria causada por fatores externos e 50% por fatores internos (o resto não é explicado pelo modelo). Matos acha provável que, desses 50%, uma parte se deva aos problemas da Nova Matriz Econômica, outra a problemas de longo prazo da economia brasileira.

    O livro não dá muita ênfase ao quanto a situação piorou em 2015-2016. Para essa discussão, seria necessário incorporar os efeitos da Lava Jato, difíceis de mensurar, e da crise política, talvez imensuráveis. Ainda não sabemos o que fez com que a herança da crise de 2015 para Michel Temer tenha sido tão pior do que a que Dilma deixou para si mesma.

    Enfim, após dois anos de um debate público ridículo, o nível da discussão oferecida pelo livro é um enorme alívio.

    celso rocha de barros

    É doutor em sociologia pela Universidade de Oxford, com tese sobre as desigualdades sociais após o colapso de regimes socialistas no Leste Europeu. Escreve às segundas.

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