Não há nenhum outro país no mundo em cuja capacidade de se governar eu acredite mais do que o Reino Unido. Seu sistema parlamentar funciona bem dentro das tradições locais, seus partidos políticos principais são de ótima qualidade, sua mídia (excetuados os tabloides) reflete um amplo espectro de opinião dentro de um alto padrão geral de competência. A BBC é uma TV estatal altamente crítica do governo.
Há uma tradição de pragmatismo que mantém uma política fortemente ideologizada em um equilíbrio altamente funcional. O trabalhismo é uma versão do socialismo continental sem muita enrolação filosófica, e os melhores Tories sentem diante do Tea Party a natural aversão de um verdadeiro conservador diante de tentativas de impor ao mundo uma fantasia ideológica. A rainha não tem função nenhuma, mas é preservada em homenagem ao excelente princípio de não consertar o que não está quebrado.
Por isso mesmo me causou espanto ver o país votar pela saída da União Europeia na última quinta-feira. O salto no escuro dos eleitores do Leave, feito em desafio aberto ao establishment político (os líderes dos 3 principais partidos apoiavam o Remain), econômico (os economistas mais respeitados eram contra o Brexit) e cultural (as cidades universitárias apoiaram a Europa), sugere que todo esse arcabouço institucional perdeu contato com as ansiedades do inglês médio.
Londres e cidades universitárias como Oxford e Cambridge votaram pela permanência em uma proporção de mais de dois terços, mas foram derrotadas. Há um evidente descompasso entre o que a elite política e intelectual do país tem a oferecer e as ansiedades do inglês médio. Londrinos e Oxbridgeanos não têm grandes problemas para se integrar na economia global, mas os trabalhadores de cidades industriais ou mineradoras abandonadas têm.
Os "deixados para trás", como os chamaram os cientistas políticos Robert Ford e Matthew Goodwin, votaram pelo Brexit contra o establishment, e devem se decepcionar amargamente.
Como observou o jornalista Nick Cohen, pelo Brexit votou uma maioria de cidadãos que querem de volta os empregos e o welfare state de sua juventude; e também os líderes do movimento, que querem transformar a Inglaterra em um paraíso fiscal. Esses líderes parecem ser a solução para esses liderados?
Tanto as nações que compõem o Reino Unido quanto as que compõem a Europa são sociedades bem ordenadas, e não se pode descartar que, dentro de alguns anos, os dois lados aceitem reformas para acomodar as tensões explicitadas na última quinta-feira. Com todos os problemas de funcionamento da União Europeia, ela estabeleceu o padrão pelo qual a questão proposta na última quinta-feira não foi decidida com o saque de Londres, o bombardeio de Manchester ou um massacre na Escócia. O experimento europeu continua, e ainda acredito que os britânicos eventualmente se reconciliarão com ele.
A União Europeia tem defeitos evidentes, e passa pela maior crise de sua história. Mas é uma tentativa de promover a integração econômica entre países sem as patologias que a simples integração pelo mercado (ou pela conquista militar) historicamente geraram. Se esse ideal morrer e nada o substituir, a globalização pode continuar, mas o fará com um déficit de iluminismo.
É doutor em sociologia pela Universidade de Oxford, com tese sobre as desigualdades sociais após o colapso de regimes socialistas no Leste Europeu. Escreve às segundas.