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    Celso Rocha de Barros

    A Nova Matriz Política

    04/07/2016 02h00

    A "Nova Matriz Econômica" do primeiro mandato de Dilma Rousseff foi a resposta errada a uma crise profunda (o crash de 2008). Foi errada porque se utilizou de instrumentos antiquados e sacrificou conquistas importantes dos 20 anos anteriores. Felizmente, não durou muito tempo: alguns de seus mecanismos começaram a ser desmontados ainda no fim do primeiro mandato, e a nomeação de Joaquim Levy para a Fazenda deu início ao ajuste que, apesar de atropelado pela crise política, prossegue até agora.

    O problema é que há analogias preocupantes entre o que aconteceu com a economia brasileira e o que aconteceu com nossa política desde o impeachment. Se na hora da crise em 2008 recaímos em velhos hábitos e terminamos com populismo econômico, quando a Lava Jato colocou em xeque a classe política, também retornamos ao familiar: demos a Presidência ao PMDB. Nos dois casos, voltamos ao pré-1994.

    Assim como os economistas se exasperaram em 2012 vendo a deterioração de índices estabilizados desde 1994, agora é a vez de os cientistas políticos se assustarem com a possível desagregação do padrão de competição PT vs. PSDB.

    Entre 1994 e 2014, esquerda e direita bem organizadas e moderadas denunciaram uns os escândalos dos outros, copiaram uns as boas políticas dos outros, e, fazendo isso, geraram o fim da crise econômica que vinha desde o regime militar. Reduziram a desigualdade até o nível em que estava nos anos 60 e criaram a dinâmica de combate à corrupção que nos trouxe até a Lava Jato.

    Sim, há alguma idealização do período 1994-2014 no parágrafo anterior. Em especial, o problema do financiamento de campanha nunca foi enfrentado: como é cada vez mais claro, as campanhas sempre foram inteiramente pagas por empresas que roubavam dos cofres públicos (desde muito antes de 1994), com a cumplicidade bem-remunerada da classe política.

    Mas, até aí, nas reclamações dos economistas em 2012 também havia idealização. Por exemplo, o crescimento no período pós-Plano Real, salvo pelos anos do governo Lula em que o cenário externo provavelmente nos ajudou, foi baixo.

    Agora temos o risco real de passar do padrão de competição PT vs. PSDB para o padrão característico da política estadual fluminense: um PMDB eterno (ou um peemedebismo, como diria Marcos Nobre) que absorve esquerda e direita moderados e só é contestado eventualmente por dissidências evangélicas ou por idealistas de esquerda com poucas chances de vencer. A crer na experiência do Estado do Rio de Janeiro, não há nenhum mecanismo interno a esse padrão de competição que o faça se reformar.

    Como a Nova Matriz Econômica, a Nova Matriz Política pode perfeitamente ser temporária. É possível, por exemplo, que o PMDB simplesmente tome do PSDB a liderança da direita, que Marina ou Ciro tomem do PT a liderança da esquerda e que a competição virtuosa volte em 2018. É possível que PT e PSDB recuperem seu vigor anterior.

    Mas há um porém. A Nova Matriz Econômica foi ruim, entre outros motivos, porque gastou o dinheiro que poderia ter sido usado quando queda das commodities e Lava Jato bateram na economia. Da mesma forma, quando o "Lehman Day" da delação da Odebrecht chegar, talvez percebamos que gastamos poder de mobilização e capital político na hora errada.

    celso rocha de barros

    É doutor em sociologia pela Universidade de Oxford, com tese sobre as desigualdades sociais após o colapso de regimes socialistas no Leste Europeu. Escreve às segundas.

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