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    Celso Rocha de Barros

    Diante de Temer

    18/07/2016 02h00

    Talvez tenha sido cedo demais, mas talvez não tivesse jeito. Quando Lula e dirigentes do PT e do PC do B optaram por apoiar Rodrigo Maia na eleição para a presidência da Câmara dos Deputados, causaram perplexidade na militância e em boa parte de seus parlamentares.

    Rodrigo Maia era um Cunha Boy até outro dia. E o DEM, para quem era melhor negócio ser coadjuvante de Temer agora do que do PSDB em 2019, esteve sempre na vanguarda da luta pelo impeachment. Durante todo 2015, Maia e seu partido lutaram por um Brasil novo e melhor, em que todo brasileiro pudesse erguer a cabeça e dizer "o DEM tem vários cargos no governo, controla muitas verbas". No discurso oficial do PT e do PC do B (que não compartilho), Rodrigo Maia tem indiscutível pedigree golpista.

    O deputado federal Vicentinho escreveu no Twitter que não votaria em golpista, e foi acompanhado por grande parte da bancada, que se retirou do plenário na votação do segundo turno. Para muita gente na esquerda, inclusive entre seus parlamentares, o realismo das direções de PT e PC do B colocou em risco a única vantagem de ter perdido o poder: a dispensa de ter aliados com quem não se tem qualquer identificação, a volta da clareza entre aliado e adversário.

    Quem já foi às manifestações contra o impeachment certamente percebeu que ali protesta-se contra Temer ao mesmo tempo em que celebra-se não tê-lo, ou aos semelhantes a ele, como aliados.

    Entendo e simpatizo inteiramente com a reação da militância, em especial porque havia a opção de votar em Luiza Erundina. Mas entendo também o argumento a favor de apoiar Maia.

    Mesmo se tiver sido cedo demais, em algum momento a esquerda vai ter que voltar para o jogo político, e o jogo político que temos é esse troço aí. Se Dilma voltar ao poder, as alianças voltarão a ser necessárias. Se não voltar, a esquerda pretende se ausentar das negociações da reforma da Previdência, ou do teto de gastos? A ideia é deixar a turma do pato fazer o que quiser?

    No fundo, a questão é o quanto a esquerda está disposta a tratar o jogo político pós-impeachment como "normal". Voltar às negociações cotidianas no Parlamento não seria reconhecer legitimidade no governo Temer? Como ficaria a tese de que houve um golpe de Estado? Não é fácil ver o adversário governar com votos que você conquistou. Ver os direitistas irresponsáveis de 2015 chamando ao diálogo é mesmo o fim da picada. A vontade é de mandar Temer ir dialogar com um pato inflável, com os Bolsonaros de Facebook, com Eduardo Cunha ou com o resto da turma que o colocou no poder.

    Entendo tudo isso, mas recomendo não seguir esse instinto. Sugiro apoiar o que for necessário para a economia voltar a funcionar, criticar o que for regressivo, fazer as autocríticas necessárias para recuperar a credibilidade e deixar que as delações cuidem da legitimidade de Temer.

    Era o que eu teria feito, aliás, se fosse da antiga oposição em 2015, e acho que era o que os generais do PSDB, no fundo, torciam para que acontecesse. Mas os tucanos foram substituídos por patos infláveis com muito menos autocontrole. Seria um erro se a esquerda também perdesse o senso estratégico. Deixem para o outro lado o monopólio de ser pato.

    celso rocha de barros

    É doutor em sociologia pela Universidade de Oxford, com tese sobre as desigualdades sociais após o colapso de regimes socialistas no Leste Europeu. Escreve às segundas.

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