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    Celso Rocha de Barros

    O impeachment foi um estelionato?

    28/11/2016 02h00

    Alan Marques/Folhapress
    Geddel, Temer e Calero
    Geddel, Temer e Calero

    Na semana passada, os líderes dos partidos que apoiaram o impeachment e hoje são a base de Michel Temer assinaram um documento dizendo que o então ministro Geddel Vieira de Lima era um sujeito supimpa, aproveitando para "externar nosso amplo e irrestrito apoio e confiança no trabalho" do camarada acusado de tentar convencer um colega de ministério a aliviar uma licença para um prédio em que tinha comprado um apartamento.

    Nos dias seguintes, os partidos que apoiaram o impeachment e hoje são a base de Michel Temer iniciaram um esforço de assassinato de reputação contra o ex-ministro da Cultura Marcelo Calero, que, para seu crédito, se negou a atender o pedido de Geddel. Aécio Neves (PSDB) ficou indignado com o fato de que Calero gravou uma conversa com o presidente Temer. Raul Jungmann (PPS) disse que Calero cometeu uma "baixeza" contra Temer. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), declarou que Calero havia "enlouquecido". Enfim, o que os petistas tentaram fazer com o caseiro, os antipetistas fizeram com o Calero.

    Enquanto isso, o projeto de anistia ao caixa dois está aí, o que não surpreendeu os leitores desta coluna (ou, convenhamos, ninguém). Depois do vazamento dos áudios de Jucá (que está de volta como líder do governo no Senado), só se enganou quem quis.

    Todos os grandes partidos apoiam a anistia. Foram contra PSOL, Rede, uns 20 deputados do PT (os outros apoiam a anistia com entusiasmo) e alguns nomes isolados de outros partidos, como a tucana Mara Gabrilli. É muito pouca gente.

    Deve-se dizer, se não houver anistia (ou algo com o mesmo efeito), não há por que esperar que o Congresso continue aprovando tudo o que Temer pede. Com a promessa de fugir da polícia, os deputados votarão qualquer reforma, de qualquer teor ideológico. Se o PSTU lhes fizesse essa oferta, aprovariam a implantação do socialismo em 15 minutos. Como quem lhes faz a oferta é a direita, aprovam a "Ponte para o Futuro" inteira e, se necessário, substituem o "Ordem e Progresso" na bandeira por "Menos Marx, mais Mises".

    De qualquer forma, é bom lembrar que o impeachment foi feito com a promessa de passar o país a limpo. Contrariar essa promessa tão explicitamente, como foi feito na semana passada, é o equivalente a Dilma implementar ajuste fiscal depois da campanha de 2014: um estelionato caprichado.

    Mas, enfim, se todo estelionato fracassasse, a espécie dos estelionatários já estaria extinta.

    Temer deve manter o apoio na elite econômica se prosseguir com o ajuste. A posição do PSDB no episódio Geddel provavelmente refletiu a posição de sua base empresarial.

    A anistia ainda tem chances de aprovação, e algo diferente com o mesmo efeito pode ser tentado. Isso tornaria o Congresso novamente propenso a conversar.

    E a falta de alternativas joga a favor de Temer. Graças aos atrasos de Gilmar Mendes, um novo presidente seria eleito por um Congresso de maioria pró-anistia, o que não entusiasma ninguém.

    Se o impeachment tiver sido um estelionato, as vítimas não terão sido nem os políticos que o votaram na esperança de abafar a Lava Jato nem os empresários que inflaram seus patos. E talvez essa turma é que tenha sido decisiva o tempo todo.

    celso rocha de barros

    É doutor em sociologia pela Universidade de Oxford, com tese sobre as desigualdades sociais após o colapso de regimes socialistas no Leste Europeu. Escreve às segundas.

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