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    Celso Rocha de Barros

    Minha terra tem Calheiros

    12/12/2016 02h00

    Não, não foi bonito. No domingo (4), as passeatas pediram "Fora Renan". Menos de 24 horas depois, Temer, com amplo apoio do establishment econômico e político, desencadeava o movimento "Fica, Renan, vai ter bolo".

    Na sequência, o presidente do Senado se recusou a cumprir uma decisão do Supremo Tribunal Federal. Há relatos de que desobedeceu por sugestão de um ministro do próprio Supremo. No dia seguinte à desobediência, o Supremo o manteve no cargo. Foi a pior crise constitucional desde a redemocratização.

    Por que Temer, com apoio entusiasmado do mercado, lançou a campanha #SomosTodosRenan? O medo era que o vice de Renan, o petista Jorge Viana, atrasasse a aprovação da PEC do teto de gastos. Se isso acontecesse, Temer encerraria o ano sem uma única reforma aprovada, e um bigode de Sarney lhe nasceria de uma hora para a outra.

    Vamos ver se depois dessa, pelo menos, a turma aprende a pesquisar quem é o vice antes de derrubar alguém.

    Jorge Viana teria começado uma guerra contra Temer? É difícil saber. Viana é um moderado, como ficou claro em seu esforço para atenuar a crise na semana passada. Se tivesse começado uma guerra, teria sido um erro: era uma briga em que teria sido fácil entrar e difícil sair vitorioso. A turbulência econômica seria grande, mas nenhuma das medidas que incomodam a esquerda deixaria de ser implementada.

    Em outros tempos, em vez de uma crise constitucional, a semana passada teria sido uma oportunidade para trocar a manutenção do calendário da PEC por medidas tributárias que interessam à esquerda. Mas 2016 não é isso, e Viana não deve esperar reconhecimento de ninguém por sua moderação.

    Deflagrada a crise, ficou demonstrado que, nos próximos anos, teremos que escolher em diversas oportunidades entre fazer o ajuste e combater a corrupção.

    O ajuste está sendo conduzido pela turma que foi delatada na sexta (9), e precisará ser aprovado pela turma que será delatada nos próximos meses. O grande trunfo do governo, no momento, é que a oposição ao ajuste está sendo conduzida pela turma que foi delatada no primeiro semestre (a minha turma). Não sabemos por quanto tempo o jogo será esse.

    Foi um azar que a Lava Jato e a crise econômica acontecessem ao mesmo tempo, mas essas foram as cartas que o Brasil recebeu. Resta jogar como for possível até as coisas melhorarem.

    Até agora, o resultado desse impasse é claro: o ajuste está sendo feito às custas da organização política brasileira. Mesmo os defensores do ajuste precisam reconhecer esse custo.

    Depois das delações contra a direita, que mal começaram, o único argumento que sobrou a favor do impeachment bananeiro de 2016 é o econômico.

    Os danos da guerra do impeachment à política brasileira nem começaram a ser calculados: sem sanção do voto, o poder não trocou só de mãos, trocou de lado. Agora foi necessário sacrificar o prestígio do Supremo, uma das poucas instituições que ainda gozavam do respeito do público.

    Não tenho dúvida de que a macroeconomia brasileira precisa de ajustes sérios, mas instituições funcionais também são uma condição para o desenvolvimento de longo prazo.

    PS: o título dessa coluna é um verso de um poema do perfil satírico @temerpoeta no Twitter. O verso seguinte é "Onde cantam os Jucás".

    celso rocha de barros

    É doutor em sociologia pela Universidade de Oxford, com tese sobre as desigualdades sociais após o colapso de regimes socialistas no Leste Europeu. Escreve às segundas.

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