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    Celso Rocha de Barros

    Otimismo depende de sucesso econômico e reconstrução da esquerda

    26/12/2016 02h00

    Jorge Araujo/Folhapress
    Se a esquerda voltar a crescer, tudo o que for excesso na agenda de Temer pode ser revertido
    'Se a esquerda voltar a crescer, tudo o que for excesso na agenda de Temer pode ser revertido'

    Em meio à ressaca de uma sequência de miragens –a Nova Matriz Econômica, o impeachment de Dilma Rousseff–, gostaria de escrever uma coluna de fim de ano otimista, que não fosse chapa branca ou delirante, tentando aproveitar o rápido intervalo de lucidez desiludida antes que embarquemos em algum outro delírio.

    Teria sido mais fácil ser otimista ao final de algum outro ano que não 2016. A economia deve melhorar um pouco em 2017, mas isso só quer dizer que conseguiremos crescer uma fração um pouco maior do que esperávamos crescer quando a guerra do impeachment começou, o que já era uma fração do que esperávamos crescer antes da Nova Matriz Econômica.

    A principal preocupação da classe política, no momento, é fugir da polícia. O atual governo de direita é uma mediocridade melancólica e corrupta, mas a alternativa mais provável a tolerá-lo parece ser uma eleição pelo Congresso: nesse cenário, o novo presidente deve ser tão indistinguível do atual que talvez valha a pena continuar chamando-o de Temer.

    A Constituição de 88 está sendo renegociada sem qualquer sanção pelo voto. E, por incrível que pareça, o cenário internacional é ainda pior que o brasileiro.

    Partindo desse quadro, não consigo construir um cenário otimista e dizer que ele é provável. Mas consigo construir um cenário otimista possível e deixar que o leitor avalie se vale a pena brigar por ele.

    É possível imaginar que a combinação das reformas de Temer com a resistência popular que deve acontecer nos próximos anos nos leve a um equilíbrio novo, em que direitos que não serão mais garantidos pela lei serão ganhos pela luta sindical.

    Sindicatos fortes são a base ideal para a construção de uma esquerda moderna. Se a esquerda voltar a crescer sob uma base social forte, tudo o que for excesso na agenda de Temer pode ser revertido, e muitos novos avanços podem ser conseguidos. Quanto maior for o ajuste, maior deve ser a receptividade da população a um programa de justiça tributária.

    O desânimo atual pode se converter em saudável ceticismo diante do imenso tsunami "Samarco" de estupidez que foi a discussão brasileira dos últimos anos. Não, a culpa não era dos petralhas, Sergio Moro não é agente da CIA, e quem disse essas coisas só queria que você olhasse para o outro lado para não ver a turma fugindo da Lava Jato.

    Se o ceticismo funcionar como antídoto para o envenenamento de nossa esfera pública, a reconstrução de nosso sistema político passará a ter chances muito maiores de sucesso. Como reconstruir os partidos com as ideias imbecis que circularam no Brasil nos últimos anos? Teríamos um partido do pato? Um partido pró-Moro e outro anti-Moro? Arno Augustin seria candidato a presidente? Concorreria contra uma frente Olavista?

    Enfim, é possível imaginar cenários otimistas se supusermos uma combinação de sucesso moderado da atual política econômica e reconstrução da esquerda; tudo isso tendo como pano de fundo a elevação da qualidade do discurso político brasileiro, causada pelo esgotamento de nosso pré-sal de estupidez.

    Eu sei, como cenário otimista não parece muito, nem sequer parece provável. Mas 2016 não me deixou com muita coisa com que trabalhar. Foi o máximo de otimismo que eu consegui manifestar sem rir de mim mesmo enquanto escrevia. Feliz 2017, leitor.

    celso rocha de barros

    É doutor em sociologia pela Universidade de Oxford, com tese sobre as desigualdades sociais após o colapso de regimes socialistas no Leste Europeu. Escreve às segundas.

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